Desportadas, Pátria que me acolheu, Pátria que me pariu

Vai ter Copa

Búzios - Não vai ter Copa

Desde 1998 que de quatro em quatro anos tenho que responder a esta pergunta várias vezes:

Vais torcer por Brasil ou por Portugal?

A resposta é sempre a mesma: a minha seleção é e sempre será o Brasil, o meu clube é e sempre será o Sporting Clube de Portugal.

Grande falso, não cresceste em Portugal? Pois, é mais fácil torcer pelo que tem mais probabilidades de ganhar não é?

Cresci em Portugal sim senhor, mas se bem me lembro nem os próprios portugueses da minha geração cresceram com grande entusiasmo pela “sua” seleção. Desde que me lembro de ser gente que reconheço e vi incutidas em mim a emoção e a euforia do brasileiro, onde quer que esteja, quando a seleção brasileira joga. Só me lembro de ocorrer algo com a portuguesa não comparável, mas no mesmo sentido, depois de ter tido precisamente um brasileiro à sua frente. O argumento de ser por quem tem mais probabilidades de ganhar não o chega a ser, para um apaixonado para um clube sofrido como o meu.

Nesta copa em concreto, juntou-se mais uma questão (pertinente):

E concordas com estes protestos? Não estás contra o mundial, não vais boicotar o apoio por causa disso?

Ponto prévio, por todos os motivos e mais alguns eu gostava de não gostar de futebol, mas sou burro, não consigo.

Concordo absolutamente com os protestos, quando pensados, objetivos. Só me surpreende eles não ocorrerem há mais tempo, pois todos estes problemas não são de agora, nem foram trazidos pelo mundial, apenas tiveram mais exposição.

A Copa em si não traria mais problemas, se o governo brasileiro não fosse péssimo, e a FIFA e demais entidades que regem o futebol mundial não fossem autênticas organizações criminosas.  Mas os onze homens que vão estar em campo lutando para honrar o nome do país não tem absolutamente nada a ver com isso. Conforme disse o agora deputado Romário, “já perdemos a Copa fora de campo. Agora, tem de rezar e torcer pra irmos bem lá dentro”.

Portanto, para mim, vai ter Copa sim, e aqui vou eu para o trabalho com a canarinha vestida.

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Andanças, Pátria que me pariu

Brasil

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Vou deixar para depois a componente turística da nossa última viagem e descarregar parte do que ela despertou em mim, a nível sentimental e afetivo.

Desde 1998 que eu não ia ao país e à cidade que me viram nascer. Uma eternidade, e uma tristeza que me consumia anos após anos, aumentada e seguida de embaraço quando alguém me perguntava se costumava ir lá com frequência, ou qual tinha sido a última vez.

Nessa época, o Brasil tinha acabado de perder a Copa para a França, o país estava em clima de depressão económica e a Costa de Caparica era literalmente invadida por Brasileiros em busca de melhores condições de vida. Portugal tinha acabado de sediar a Expo 98, respirava aparente saúde financeira e estava a caminho da ilusão do Euro. Eu tinha 12 anos, e não sabia de nada, inocente.

Hoje a situação é quase diametral: Portugal enfrenta uma crise sem fim à vista, quase todos os brasileiros da Caparica regressaram às origens, o Brasil organizando a sua própria Copa e seguindo crescendo, ainda que com muito trabalho pela frente para poder confirmar o seu potencial. E eu, agora homem feito, pai, marido, um pouco menos inocente, mas ainda sem saber de nada.

Partimos no dia 21 de Abril e chegamos lá dia 22, curiosamente o mesmo dia em que os primeiros portugueses desembarcaram no Porto Seguro, em 1500. Por coincidência ou talvez não, o avião da TAP que nos transportou tinha precisamente o nome de Pedro Álvares Cabral.

Sabia que a emoção seria sempre imensa, mas as minhas expetativas foram largamente superadas, principalmente num ponto: nos seus quinze meses de vida, nunca vi a minha filha tão feliz. Se sentiu em casa. Não estranhou nada. Adorou a praia e água, adorou a comida, adorou a família, adorou as pessoas,  adorou a bagunça, adorou o sol.

Não vai se lembrar de nada disso, mas quero acreditar que de alguma forma ficará marcado nela e fará parte da pessoa que ela venha a ser. Sem entender onde estava nem pensar em quais eram a diferenças, se apaixonou, como tantos outros que lá chegaram antes dela. E é isso que define o Brasil. Essa capacidade de encantar, de entrar na pele, sem precisar de explicações ou de lógica e sentido.

Está longe de ser um país perfeito? Está. Tem um caminho enorme pela frente. Mas vale a pena percorrê-lo.

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Pátria que me pariu

Gentileza Gera Gentileza

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Já ouvi esse ditado ou mantra em Portugal, mas creio que poucos por aqui sabem da sua origem, e da incrível história do seu autor, o Profeta Gentileza.

O Profeta Gentileza foi uma das personagens mais folclóricas e conhecidas do Brasil até à sua morte, em 1996.

Nascido José Datrino, tornou-se Gentileza após uma alegada visão sobre o fim dos tempos, no início dos anos 60. Outrora empresário, deixou crescer a barba e decidiu percorrer o país espalhando mensagens de bondade e amor, e amaldiçoando o dinheiro, condutor do abismo.

Seguindo esse estilo, ao sistema financeiro dominante a nível internacional ele se referia como Capetalismo, numa tirada de génio.

A ironia da história é que, contrariamente à filosofia de vida que o Profeta pregava, a sua frase-chave deu origem a inúmeros produtos de marketing extremamente lucrativos, desde meros ímanes de frigorífico até ténis All Star de 100 reais.

Não sei se esse fenómeno tem nome “científico”, mas se não tem merecia, pois assim de repente me vem logo à cabeça os nomes Bob Marley e Che Guevara.

Do seu legado persistem as suas famosas 55 inscrições, pintadas no Viaduto do Caju, sendo a mais ilustre a tal, a própria, “Gentileza Gera Gentileza”. E gera.

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Pátria que me pariu

Scam City

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Em regra geral, apanham-se séries boas no National Geographic, em zapping. Esta Scam City (Burlar Turistas,na tradução do canal português) é mais uma delas.

O apresentador tem um daqueles trabalhos que eu adoraria ter: ser pago para viajar. No caso, é pago para viajar e ser roubado, procurando e explicando os esquemas de roubo e vigarice das cidades que visita.

Ao mesmo tempo que gostei de imediato da série, me senti meio envergonhado no segundo episódio que peguei: Rio de Janeiro. Em época de Carnaval.

Logo no primeiro dia, na praia, é roubado de todas as formas possíveis. É distraído na praia e roubado, é enganado por um taxista malandro que esconde nota de 5 em troca de nota de 50, de noite tem prostituta querendo oferecer caipirinha temperada com “boa noite cinderela”.. Nos dias seguintes continua, com incursão em macumba falsa e investigação de jogo do bicho.

O que meio me envergonha não é a realidade retratada, sabendo o que a propicia; é o orgulho com que os personagens vão gabando a malandragem (o taxista é o expoente máximo do falastrão).

No entanto, é esse mesmo jeito Carioca de ser dos personagens que faz o apresentador exclamar no fim que adorou a experiência, e que não hesitará em voltar. O mesmo encanto que faz o meu pai e muitos outros não cariocas dizerem que só querem morrer lá.

Fica pra pensar.

Notas:

Um apontador para o episódio em questão é disponibilizado neste site cultural.

A foto que ilustra o post foi tirada do site Travel and Escape.image

Lately, I’ve been catching some quality series on National Geographic. This Scam City (“Burlar Turistas” is the Portuguese translation) is one of them.

The host has one of those jobs I would die to be hired to: be payed to travel. In his case, he is payed to travel and get robbed, searching and explaining all kind of scams of theft and robbery in each city he visits.

The second episode I saw caused me mixed feelings: whilst confirming it was a very watchable (and useful) show, it also made me really ashamed about my origins. Yes, it was about my hometown, the wonderful city of Rio de Janeiro.

At the very first day, at the beach, he is robbed in each and every possible way. He is distracted by thieves and picpocketed at the beach, he is fouled by a smart ass cab driver who magically turns his 50 bills into 5 ones, he goes out at night and some prostitute try to drug him with “Good Night Cinderella” caipirinhas and it goes on and on, with excursions to fake “macumba” (black magic) rituals and illegal gambling investigations.

What makes me ashamed are not the facts shown, because I know the whole context behind them; it’s the pride the characters show, bragging every time their rascal skills (the cab driver is the ultimate loudmouth).

But at the same time, is that Carioca way of life that makes the host state, at the end of the episode, that absolutely loved the experience, and won’t hesitate to get back to Rio. The same magic spell that makes my own father and many other non-native Cariocas declare that don’t want to die elsewhere.

Be aware. You’ll say the same.

 

 

Nota: um apontador para o episódio em questão é disponibilizado neste site cultural.

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Pátria que me pariu

Clippings

Ultimamente tenho beneficiado da assinatura gratuita (momentânea) de alguns jornais e revistas do mundo, e tenho (re)descoberto como o humor e a leveza de espírito da minha terra mãe perfumam o que lemos sem beliscar a qualidade.

Um pequeno exemplo; a propósito do evento do UFC que decorre no Rio de Janeiro, ontem no jornal carioca “O Globo”, coisas que nunca seriam escritas numa reportagem de um jornal “sério” português:

Quando o americano Brendan Schaub, adversário de Minotauro, tirou a camisa, um rapaz virou de lado e,meio sem jeito, comentou – e eu me achava sarado…

Quando Schaub se aproximou, um grupo aplaudiu e gritou: “valeu, viado.” Ele achou que era elogio, sorriu e acenou.

Mas Copacabana esperava mesmo por Anderson Silva, para saudá-lo como um ídolo. Mas estamos no rio. Quando ele  surge com um agasalho do Corinthians, que o patrocina, o povo explodiu: “Mengo, Mengo”.

Assim como Minotauro, que deu um show de simpatia. Foi até a grade para apertar a mão de cada torcedor. Até um jovem apontar para um amigo e disparar: Minotauro, esse aqui xingou a tua mãe. O UFC está no rio.

E também eu hei-de estar…

 

 

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Cinemadas, Pátria que me pariu

Dançando com o diabo

Ontem à noite deu este documentário de Jon Blair na rtp2.

Não traz grande novidade, mas é interessante. Vão sendo mostrados diversos depoimentos de traficantes, moradores e polícias do Rio de Janeiro, tudo sob uma perspectiva voyeurista: não são mostradas perguntas, e deixam-se aos critérios dos espectadores as conclusões, que hão-de ser sempre ambíguas, dado que chegamos sempre às mesmas contradições e confirmações do ciclo de violência.

Os elos condutores do filme são Dione, um pastor evangélico que luta para tirar os bandidos do tráfico e trazê-los para a igreja, e o Homem Aranha, um barão da droga que diz que quer largar essa vida, mas não sabe como. E é aqui que o documentário se mostra interessante: por mais que eu abomine a maior parte das igrejas evangélicas que florescem (e pro$peram) que nem cogumelos, aqui dá para notar a verdadeira força que a fé tem, quando bem direccionada.

A confirmação (ou melhor, constatação) que é um problema horrendo e longe do fim, e que o caminho não pode passar somente pela violência, que maior violência gera.

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Cinemadas, Pátria que me pariu

5x Favela

Tenho ouvido maravilhas do outro lado do oceano, do filme “5x Favela, Agora por Nós Mesmos”.

5 curtas-metragens escritas, interpretadas e realizadas (sob a batuta do produtor Cacá Diegues) por oficinas de actores das favelas do Rio; segundo consta, subvertendo estereótipos, pela vontade dos próprios (a favela dos moradores, não a dos bandidos ou dos polícias, como diz o trailer).

Não consigo descortinar quando, ou mesmo se, terá estreia em Portugal. Fico a aguardar novidades oficiais ou dos fornecedores do costume. Fica o trailer abaixo para referência futura.

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Cinemadas, Pátria que me pariu

S.F.W / Filhos do Carnaval

Neste domingo apanhei por acaso um filme e uma mini-série na TV que, sendo fracos, possuem alguns pontos de interesse.

O primeiro é uma tentativa de filme de culto de 1994, S.F.W (So Fucking What). É uma merda de filme. Eu gosto de chamar aos filmes de série B filmes de merda, e gosto de ver um bom filme de merda de vez em quando, quando são deliberadamente filmes de merda, descompromissados e pobres por natureza. Este é mesmo uma merda de filme, daqueles que tenta assumir uma importância e uma profundidade tais que não chega a lado nenhum.

Durante 36 dias, cinco pessoas são mantidas como reféns por um grupo terrorista, numa loja de conveniência. A única exigência dos terroristas é que a situação fosse transmitida ao vivo pelas estações de televisão nacionais. Dois adolescentes Spab (Stephen Dorff, o vampiro mauzão do Blade) e Wendy (Reese Whiterspoon) são os únicos sobreviventes e, ao saírem em liberdade, são elevados ao estatuto de super-estrelas. A irreverência e a atitude do Spab são pouco mais que enervantes e a mensagem, a existir, não passa.

Fora tudo o que se possa filosofar acerca de reality shows (bem antes do conceito alcançar popularidade internacional), o principal ponto de interesse é ser co-protagonizado por uma Reese Whiterspoon na candura dos seus 18 aninhos de idade, o que serve de ponto de partida para uma interessantíssima questão: ela era mais fofa como barely legal, ou agora como barely milf? Eu ainda não consegui chegar a nenhum consenso.

Creep aparece na banda sonora, bem antes de sonharmos existir o facebook e um coro qualquer a cantá-la para um filme do David Fincher em honra do dito. O insonso do Tobey McGuire também entra durante cerca de 2 minutos, fazendo o papel de um adolescente drogado que é a melhor performance que já lhe vi na vida.

A outra parte do domingo que já referi é uma mini-série da minha terra, Filhos do Carnaval, e está a ser transmitida na RTP2. Tecnicamente muito bem filmada e fotografada (a paisagem carioca ajuda muito), não me parece ter estrutura, profundidade nem sal. Se nos próximos episódios continuar assim fraquita é pena, porque gira à volta de uma história interessante, a de um ricaço dono de uma escola de samba e barão do jogo do bicho. E o que é o jogo do bicho, perguntam os tugas?

O jogo do bicho é um centenário jogo de apostas ilegal muito popular no Brasil, mas principalmente no Rio de Janeiro; resumidamente, neste jogo existem 25 bichos, e a cada um é atribuído um número e 4 “dezenas” (por exemplo, ao Veado, é atribuído o nº24 e as dezenas 93,94,95,96). Podem-se fazer vários tipos de apostas com os números de cada bicho e há um sorteio semanal que dita o bicho premiado.

Os “bicheiros”, os manda-chuvas do jogo, são em geral homens muitíssimo poderosos (aqueles que estão no topo da hierarquia, claro). Em cada esquina carioca há um ponto de jogo, cada vez que alguém sonha com um animal vai correndo apostar no dito, é impressionante. Sendo uma coisa tão intrínseca e tão enraizada na cultura carioca, penso que deveriam ser feitos esforços para legalizar o jogo, mas isso deve ser uma teia muito complicada de interesses, que nem vale a pena tentar perceber.

Quanto à mini-série, esperar para ver como desenvolve.

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