Leituras

A Estrada – Cormac McCarthy

The-road

Cormac McCarthy tem um nome tão irlandês quanto possível (é até nome de rei das antigas), mas é um puro texano e, julgando logo de caras por este livro, um dos maiores romancistas americanos.

Só tinha tomado contacto com a obra dele através do filme No Country For Old Men. Um filme bruto, mas a sua literatura consegue ser mais violenta ainda.

A Estrada segue o percurso de um pai e um filho em luta pela sobrevivência numa América (?) destruída por algum evento apocalíptico, que nunca chegamos a saber qual é.

Tudo em redor está destruído e destituído de vida e de cor, a brutalidade dos poucos homens que restam no mundo leva-os a matarem-se uns aos outros e até ao canibalismo, não há animais que tenham sobrevivido para alimentá-los, a natureza em volta está reduzida a cinzas…

O livro é praticamente todo feito de angústia e tensão, mas nos breves momentos em que os protagonistas lá vão encontrando uma casa abandonada para se abrigarem ou velhos e bolorentos frascos de conserva para mitigarem a fome, vamos vibrando e torcendo para que eles prossigam e nos presenteiem com mais um ou dois dias de felicidade em meio às trevas.

Tudo isto é contado praticamente num fôlego só, sem capítulos, e com os diálogos (brilhantes) entre pai e filho entranhados no meio do texto, sobressaindo o detalhe com que vai sendo descrita a habilidade do pai para utilizar tudo o que encontra a seu favor (à la Bear Grylls), mas principalmente a forma como vai tentando responder às dúvidas existenciais da criança, que sonha com um mundo que nunca conheceu.

Assombroso, engenhoso e muito, muito marcante.

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Paternidade

Um Ano

carolina um

É difícil falar no primeiro ano de vida da minha filha sem cair em lugares comuns. Normalmente não tenho dificuldades em escrever ou me expressar sobre aquilo que quero. Para meu espanto, nunca me custou tanto escrever algo quanto este texto.

É isso que ela faz, constantemente, desde que chegou a este mundo há um ano atrás: me desarma, me desconstrói, me faz ver o quanto sou frágil, mesmo me sentindo imensamente mais capaz e forte.

Ser pai é assim, um jogo sem regras nem instruções, em que vamos tacteando às cegas e vendo no que vai dar. É uma porrada bem forte que levamos e que nos diz: não, tu não sabias nada de nada, nem sobre a vida nem sobre ti próprio. Agora levanta-te, que há alguém que precisa de ti.

É um tremendo acto de coragem, mas também de derradeiro egoísmo. É garantirmos que o que quer que suceda e onde quer que estejamos, nunca mais estaremos sozinhos. É querer que ela cresça rápido, é querer que ela não cresça nunca. É perder a identidade, a liberdade, e mesmo assim perceber que nunca gozamos tanto a vida.

Ser pai é progredir regredindo, é virar sábio voltando a ser criança. Encontrar a alegria nas mais pequenas coisas. Perder a noção e o medo do ridículo. Dançar freneticamente ao som do silêncio, meter ganchinhos no cabelo sendo careca. Vale tudo.

Há trezentos e sessenta e cinco dias que a nossa filha nos fez embarcar na maior viagem das nossas vidas. E não há nada que importe mais neste momento.

Com licença, que vamos festejar.

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Cinemadas

12 Years a Slave

Um dos filmes de que se fala e com toda a razão, que brutalidade. Ainda é só o primeiro filme que vejo em 2014, mas duvido que saia do meu top pessoal dos vistos no ano.

O maior mérito do filme e do realizador Steve McQueen é a forma crua com que apresenta uma história (real) que tinha todos os ingredientes para ser um dramalhão sentimental de primeira. Nada de banda sonora lamechas ou incentivos fáceis à lágrima, a história em bruto como ela é, acompanhada por um trabalho de fotografia sóbrio e belo na sua melancolia ligeira.

Um músico e pai de família nova-iorquino é iludido por dois pretensos artistas para tocar numa companhia circense, que não mais é que um logro para vendê-lo como escravo em Washington, a que se segue um calvário de, como o título indica, doze anos em cativeiro.

A intensidade do sofrimento do protagonista é ainda mais agonizante por ser tão contida, numa interpretação de génio de Chiewetel Ejiofor. Em contraposto e em semelhante brilhantismo está o temível patrão personificado por Fassbender, que deve ter tido dificuldades para dormir à noite depois de algumas das cenas deste filme.

A ver, rever e a mostrar nas escolas.

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2013

2013 foi de longe o ano mais marcante da minha vida, e será sempre lembrado com uma tremenda nostalgia.

Começou com o nascimento da Carolina, o que por si só já deixava todos os restantes anos no chão, pedindo arrego.

Prosseguiu com a vinda para a Irlanda, com tudo o que de positivo e de difícil que uma mudança de vida dessas acarreta.

Terminou me fazendo perceber o quanto ainda tenho a aprender e a crescer com a vida, e me levando a agradecer diariamente o muito que já tenho conseguido tirar dela.

Boa sorte em me surpreender, 2014, conto contigo.

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Paternidade

11 Meses

O pai tarda mas não falha!

Do alto dos seus onze meses, pretere ultimamente os brinquedos a favor de papéis, de garrafas, de cebolas e batatas!

Manifesta de diferentes formas alegria, satisfação, desgosto e indignação, todas elas impressionantes.

Chama cada vez mais a mamamamã, volta e meia diz “bebé”, ri-se muito a dizer “olá” a quem passa.

Fica fascinada com a transformação que o pai sofre a ver o Sporting.

Continua a adorar comer (tudo o que vê!), mas agora descobriu que também tem piada partilhar.

Leva-nos a aguentar maratonas intermináveis de Galinha Pintadinha e do Galo Carijó

Dança e dança e dança, e o pai adora dançar com e para ela.

Dá vez mais trabalho ser pai. Dá cada vez mais prazer ser pai.

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Andanças

Malta – Agora Nós

Na senda do post anterior, acrescento que a viagem foi a propósito de pela primeira vez em muitos anos me ter apetecido comemorar o meu aniversário de forma especial, por ser o primeiro passado ao lado da minha filha. Malta esteve à altura do acontecimento, e passei três dias espetaculares ao lado das minhas maravilhosas mulheres.

A nossa base foi a capital Valletta. À imagem do país, a menor capital da União Europeia é cheia de charme, preserva maioritariamente a arquitetura do século 16, tem uma vista marítima incrível e foi uma das primeira cidades a ser incluídas pela UNESCO na lista de património mundial.

É percorrida a pé com muita facilidade, ainda que a coisa se complique para quem passeie com carrinhos de bebé, porque o piso é bastante irregular e, um pouco como Lisboa, está cheia de subidas e descidas. Nada que o espírito certo não dê conta.

Sliema

A partir dela podemos apanhar ferries para Sliema, que na minha opinião só vale a pena para ir ao supermercado, porque de resto é uma área mais moderna e sem interesse (zara’s e bershkas não são do meu interesse sem ser em viagem, muito menos em), ou para Cottonera, um conjunto de três cidades que já constituem um passeio mais interessante (o ferry vai para Birgu ou Bormla, e apanha-se descendo o elevador no Lower Barrakka Gardens). Foi mais um meio de transporte de estreia para a Carolina, que não estranhou.

Marsaxlokk

No último dia fomos ainda de autocarro até Marsaxlokk, uma simpática vila piscatória cheia de restaurantes e que tem uma imensa feira de peixe e “variedades” no Domingo de manhã. Tem também a curiosidade de ter sido na sua costa que o Gorbachev e o Bush Pai se encontraram para declarar o fim da Guerra Fria (olhando para o lugar, ninguém diria).

Posso recomendar o apartamento que alugamos no AirBnB, que descobrimos na chegada que é de uma compatriota Brasileira e do seu marido Maltês, e é extremamente bem localizado, restaurado e equipado. A nível culinário recomendo o restaurante La Mere, que dá show tanto em quantidade e qualidade, e é mais ou menos para todos os gostos. Com qualquer barraca na rua também ficam bem servidos de pastizzi e outros petiscos que tais, com quanto mais queijo ricota melhor!

O ambiente e o clima na cidade e na ilha nos fazem esquecer que estamos na Europa, sensação só quebrada pelo uso da dita moeda única.

Vamos com certeza regressar no futuro. Muito ficou por ver, e vendo o azul turquesa da ilha de Comino lá de cima do avião, deu vontade de abrir a saída de emergência e saltar logo…

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Andanças

Malta – Um Pouco de História

Salutting Battery Malta

Malta é o menor país da União Europeia mas, provando mais uma vez que tamanho não é documento, é sem dúvida um belíssimo país.

Um arquipélago perdido a meio caminho entre a Itália, a Tunísia e a Líbia, é todo ele feito de misturas. A língua maltesa soa a árabe polvilhado com algumas palavras de italiano, o inglês é a segunda língua oficial e perdura o péssimo hábito de conduzir do lado errado, herdado dos seus tempos de colónia britânica. A culinária é tanto árabe quanto mediterrânica (mais para o italiana), o que para o meu palato é um verdadeiro deleite.

A sua história é riquíssima. São mais de 5000 anos, que com apenas um fim de semana e alguma leitura de placas e panfletos só consigo resumir de forma muito ordinária e provavelmente com imprecisões, mas vamos lá:

Um pouco de história

Portanto, julga-se que os primeiros a meterem lá os pés eram originários de tribos da Sicília, e há vestígios de construções megalíticas bastante complexas datadas de 5200 antes de Cristo, como o Hypogeum, por exemplo. Depois desses darem o berro, e pela localização típica de refúgio estratégico entre a Europa e a África, a piratagem toda passou por lá: fenícios, cartagineses, romanos, gregos/bizantinos… era só vê-los rodar.

Aí vieram os Árabes, que de quebra com a conquista da Sicília pegaram também Malta no embalo e por lá ficaram cerca de 200 anos, até que chegaram os Normandos e disseram: passa a Sicília e a Malta para cá que vamos formar o Reino da Sicília com essa merda! Devido a uma série de arranjinhos entre as coroas, os Malteses ainda estiveram sob reinado dos germânicos, depois sob os franceses de novo (tudo com o dedinho do Papa), e a seguir ainda sob jurisdição da coroa de Aragão!

À volta de 1500 vem um acontecimento que marcou bastante a história das ilhas. Vou usar aqui o nome original porque a tradução é extensa e soa mal. Os cavaleiros conhecidos como Knights of Saint John, que tinham combatido pela Igreja nas cruzadas, foram “despejados” da ilha de Rodes, ao que (mais uma vez o todo-poderoso) papa disse: vá, tomem lá a ilha de Malta para vocês tomarem conta e sintam-se em casa. Bom, na verdade não foi bem dada, foi pela quantia simbólica de… um falcão Maltês (ou dois, consoante a fonte)!

Eles dedicaram-se com afinco à causa, fortificaram e edificaram grande parte da arquitetura que ainda vemos hoje na ilha, (a capital chama-se Valletta precisamente em homenagem a Jean de Vallette, Grão Mestre da Ordem), livraram a população dos bárbaros, deram porrada nos turcos Otomanos (que era também uma das intenções do nada inocente Santo Pontífice) e prosperaram até gastarem o dinheiro todo com álcool e putaria, que foi quando Napoleão viu a oportunidade de tomar aquilo para os Franceses, o povo de quem os Malteses menos gostaram e que expulsou de forma mais ou menos rápida, com a mão “amiga” dos Ingleses que, obviamente, os tomaram como colónia do Império.

O estatuto de colónia sairia-lhes caro mais tarde. Estando onde estavam e apoiando quem apoiavam, foram quase destruídos na Segunda Guerra Mundial. Uma das primeiras ordens do Mussolini quando entrou na guerra foi: bombardeiem Malta sem poupar munições….

No entanto, aguentaram-se, e obtiveram finalmente a independência em 1964, e declararam-se uma república em 1974, mais precisamente a 13 de Dezembro, o mesmo dia em que lá chegamos em 2013. Sobre o reinado de 3 dias dos Oliveira Cardoso falo em outro post, que este já vai muito longo.

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Notícias

Mandela

Este fim de semana a comunicação social Irlandesa tem dado ênfase a mais uma história impressionante relacionada com Nelson Mandela e o seu poder de inspirar as pessoas.

Em 1984, quando o Madiba ainda estava encarcerado, 12 funcionários da milionária cadeia Dunnes entraram em greve, com a reivindicação de que o “patrão” parasse de importar produtos da África do Sul sob o regime do Apartheid.

Eram só 12 funcionários entra os cerca de 10000 do grupo. Foram ignorados, suspensos, e não conseguiram angariar apoio entre os seus, mas mantiveram-se firmes e aguentaram a greve durante… três anos!

Três anos de greve, em 1984, sem facebooks, twitters e petições online, apenas as suas convicções e a sua já de si precária vida profissional hipotecada. Muito pouco comparado com o que sofriam os que estavam na África do Sul, mas muito mais do que a maior parte da população mundial estaria disposta a fazer.

Uma lição, e uma pequena gota que ajuda a perceber a unanimidade do homem.

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Leituras

O Melhor Papa do Mundo

Se há dias disse que o melhor jogador de futebol do mundo era Português, tenho que dar a mão à palmatória em relação ao atual papado: o melhor papa do mundo é Argentino. Quem diria?

Nunca nutri qualquer tipo de simpatia pela Igreja Católica. Pelo contrário. Acho-a uma instituição retrógrada, opressora, corrupta e que no somatório da história, causou muito (mas muito) mais dano à humanidade do que bem. Não casei pela igreja nem vou batizar a minha filha sem que isso seja sua vontade expressa.

Fiquei no entanto impressionado, comovido até, com o que li por alto do último documento publicado pelo Vaticano, a Exortação Evangélica, que reflete sobre as reformas planeadas para a igreja.

Gostei nomeadamente de:

Alguns simplesmente deleitam-se em culpar os pobres e os países pobres de seus próprios males, com generalizações indevidas, e têm como objetivo encontrar a solução em uma ‘educação’ que os tranquilize e os converta em criaturas domesticadas e inofensivas. Isso se torna ainda mais irritante se os excluídos veem crescer esse câncer social que é a corrupção em muitos países, governos, empresas e instituições, seja qual for a ideologia política dos governantes.

Assim como o mandamento de ‘não matar’ coloca um limite claro para garantir o valor da vida humana, hoje temos de dizer ‘não a uma economia de exclusão e desigualdade’. Essa economia mata. (…) Hoje, tudo está dentro do jogo e da competitividade, onde o forte come o fraco. Como resultado, grandes massas da população são excluídas e marginalizadas: sem emprego, sem horizontes”. (…)

“Os excluídos não são explorados, mas resíduos, excedentes”

Um homem nessa posição assumindo de forma tão frontal e vincada esse tipo de pensamento? Um líder de um rebanho incitando os carneiros a, por uma vez, pensarem?

Ainda são palavras, apenas, mas não são palavras pequenas.

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Paternidade, Uncategorized

10 Meses

A Carolina by Sérgio Godinho on Grooveshark
Dez. Os meses vão se sucedendo a um ritmo impressionante, só suplantado agora pelo próprio ritmo dela, em tudo que faz, desde que acorda até que (a custo) adormece.

O gatinhar dela passou de tímido a frenético. Quer estar em todo o lado da casa ao mesmo tempo, ver tudo, explorar cada recanto, cada buraco, com especial queda para os que não deve. Pretere os brinquedos em favor de tudo o que não seja brinquedo e a que consiga deitar a mão. Adora folhear livros, o que espero que se mantenha.

Os único elementos que não acompanham a velocidade dela são os dentes, que teimam em ficar ali chateando sem rebentar. De qualquer forma, não podemos comer nada sem que ela prove, e não consegue provar nada sem gostar.

Já compensava sobremaneira o trabalho que dá, mas arranjou este mês uma arma ainda mais poderosa: o beijo. Nunca pensei que fosse possível ficar tão emocionado com algo tão simples e tão cheio de baba. É algo com poder para fazer desabar os glaciares do Alaska.

Já tem discernimento suficiente para reclamar e não me beijar se estou de barba, me levando a fazê-la com mais frequência. Já sabe portanto manipular o papai. Começa cedo a ser mulher.

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