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We need to talk about Kevin

Surpreendido com o primeiro filme que vejo desta realizadora escocesa.

Kevin é um dos fantasmas dos tempos modernos, um jovem sociopata autor de um massacre na sua escola secundária. O filme alterna entre o limbo em que a sua mãe vive no presente, e o mosaico de memórias e culpas que carrega do passado, durante o crescimento da criança, e mesmo antes do seu nascimento, quando ela não o desejava.

Falta de amor, de acompanhamento? Ou inevitavelmente o miúdo iria tornar-se um monstro? Não há respostas, até porque o filme é um exercício quase completamente visual, com poucos diálogos e com muito mais violência psicológica do que física (o massacre nunca é verdadeiramente mostrado, por exemplo).

Uma Tilda Swinton destroçada de forma espetacular, o puto Ezra Miller a cumprir o seu papel de forma absolutamente perturbadora e o resto é trabalho de realização e cinematografia para compor o ramalhete de uma obra bastante interessante.

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J. Edgar

Depois do duvidoso Hereafter, este biopic sobre o polémico pioneiro diretor do FBI mostra que o Clint Eastwood não entrou em espiral descendente. Não sendo um filme arrebatador, é um retrato interessante de uma figura bastante polémica, brilhantemente interpretada pelo DiCaprio.

Com tanto material e especulação à volta do homem, seria muito fácil ao realizador enveredar pelos caminhos da glorificação da personagem ou das teorias da conspiração, mas o que vemos é um retrato que não toma qualquer posição, mostrando simplesmente o percurso atribulado de um ser humano complexo, tanto ambicioso e egocêntrico quanto inseguro e anti-social.

Só acho que se insiste um bocado em demasia na dúvida do closet case (no popular, bicha enrustida) que ele seria, mas não faz com que deixem de ser duas horas bem passadas.

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The Girl With The Dragon Tattoo

O género thriller está bem e recomenda-se, com mais um bom exemplar da espécie neste The Girl With The Dragon Tattoo, adaptação do primeiro livro da trilogia Millenium, do sueco Stieg Larsson.

Um famoso jornalista une-se a uma sombria e problemática hacker, na investigação ao desaparecimento de uma adolescente há 40 anos atrás, a pedido do milionário tio desta.

À medida que se embrenham no passado e vão descobrindo os podres da família, o caso vai se tornando mais bicudo, sempre a um ritmo frenético, só temperado pelo tom extremamente sombrio (quase a preto e branco) com que foi filmado.  E ao contrário do “filme do facebook”, gostei muito do trabalho do Trent Reznor na banda-sonora deste.

Além de ser a adaptação do livro, o filme é também um remake, de um filme sueco recente que já tinha agarrado na coisa. É criticável? Pode ser (e é, por muita gente), mas repito a opinião que já formulei aqui mais que uma vez, a ser feito assim, de forma competente e com qualidade, só pode ser considerado positivo e vinha fazendo falta em Hollywood, o Fincher que continue a explorar o filão dos blockbusters decentes…

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Warrior

Esqueçam The Wrestler, esqueçam The Fighter, Warrior é o melhor filme sobre lutas desde Million Dollar Baby.

Um pai/treinador alcoólatra (standard Nick Nolte) e dois irmãos a lutarem para tentar ganhar um torneio de Mixed Martial Arts em busca de redenção/honra a demonstrarem o quanto um bom e velho cliché sempre tem lugar, quando nas mãos certas.  E que o Tom Hardy tem tudo para ser um grande Bane no próximo Batman.

Acho que nunca se julgou que uma história sobre MMA podia deixar tanta gente de lágrima no olho.

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The Rum Diary

tinha aqui dito o quanto ansiava por ver este filme,depois de ter lido o livro. O resultado dessa expetativa? Bom, positivo ele é. O filme é engraçado, entretém, o cenário e o ambiente estão bem conseguidos (ainda que não tão exóticos e excitantes quanto descritos no livro), mas fica na boca aquele gosto de quero mais.

Dando de barato que o estilo de escrita do Hunter S. Thompson é dos mais complicados de se adaptar ao cinema ou ao que quer que seja (o Fear and Loathing in Las Vegas é melhor, mas não é brilhante), fico com a sensação que o material dava azo a que se fizesse melhor.

Foi omitido um personagem brutal (Yeamon), o que tomou algum do seu lugar é meio insonso (Sanderson) e fez com que algumas cenas essenciais se ressentissem, nomeadamente e sem revelar demasiado a quem não viu, a prisão e o carnaval. Faltaram a estas essencialmente o desvario com que Thompson incendiou o livro.

Por fim, não posso deixar de referir duas coisas. A primeira é uma metáfora utilizada por uma das personagens, que diz que, querendo construir 10 hotéis (ou algo parecido), diz primeiro à população que irá construir 100, depois “negoceia”, “cede” a fazer só 10, e passa por benevolente. Isto é uma receita antiga, e exatamente aquilo que contínua e diariamente tem sido feito ao povo português.

A outra é que a Amber Heard… até me esqueci o que ia dizer. Fica pra pensar.

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La piel que habito

Glorioso regresso do Banderas ao colo do pai Almodovar, que apresenta aqui o seu melhor filme desde Hable con Ella. É menos chocante e “terrorífico” do que foi propagandeado, mas ainda assim, um thriller daqueles.

O Banderas é um renomado cirurgião plástico que, desde que a mulher se suicidou após ter tido o seu corpo completamente queimado num acidente de viação, dedica o seu tempo a tentar desenvolver um novo tipo de pele humana, mais resistente do que a original. Para esse efeito, mantém cativa como cobaia na sua mansão uma mulher, completamente controlada pelo doutor e pela sua fiel governanta.

Além da tragédia da viuvez, descobrimos em seguida que a filha de ambos também cometeu suicídio após ter sido vítima de violação. Esta sequência de acontecimentos do passado e do presente vai sendo apresentada de forma intercalada, até termos lentamente todas as peças do complexo puzzle em que as personagens estão envolvidas, sendo tudo isto temperado com ingredientes que Almovodar habitualmente utiliza (mães/mulheres a ditar o rumo do enredo, pais/infâncias problemáticas), mas de uma forma muito mais sóbria (menos melodramática).

Juntem-se a isto brilhantes interpretações e uma banda-sonora excelente como do costume e, a par do Drive, o filme de 2011 que mais gostei, até agora.

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Filme do Desassossego

Antes de mais, é preciso ter tomates e muita criatividade para adaptar um livro destes. Felizmente o João Botelho teve os dois. Um livro que não é bem um livro deu num filme que não é bem um filme, um desfile de personagens ridículas em momentos oníricos, espelhando na Lisboa actual os devaneios e fragmentos de uma mente brilhante numa outra Lisboa.

É claro que é difícil conferir visibilidade a um filme destes, mas é um enorme prazer ouvir as declamações do brilhante texto pessoano, e assistir a cada um dos momentos musicais (sem eles o filme não seria tão bom), começando desde logo com o Manuel João Vieira a atropelar o Aznavour, do qual deixo o curto excerto que está no youtube, mais o da Carminho, que com certeza toca.

Assim de cabeça, dos filmes portugueses de que mais gostei.

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Australian Rules

Antes de mais, Australian Rules é um desporto que não é rugby, não é futebol, não é futebol americano; nem sei bem explicar o que é, apesar de volta e meia assistir quando apanho um jogo a dar na Eurosport. São 18 para 18 num campo oval com uma bola oval, todos de manga cava, 4 traves (3 balizas) de cada lado e porrada de meia noite durante todo o jogo.

Este é um filme australiano que retrata uma equipa de juniores de Australian Rules numa pequena vila piscatória do outback, fortemente dividida entre brancos e aborígenes. Aparentemente os putos não são afectados pela tensão racial, sendo os protagonistas (do filme e da equipa) amigos inseparáveis, apesar de cada um pertencer a uma etnia diferente.

No entanto, quando o aborígene não recebe (injustamente) o prémio de melhor jogador da final do campeonato, a sua revolta despoleta uma série de eventos trágicos que põem a nu a tensão e a paz podre que existiam.

Uma boa e pertinente história, que peca por ter sido realizada de forma um bocado ingénua (as cenas de jogo por exemplo são ridículas, de tão amadoras). Tem, no entanto, bons desempenhos por parte dos miúdos e o condão de chamar a atenção para um problema que durante muito tempo foi negligenciado na Austrália (o filme é de 2002).

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Midnight in Paris

Não sou dos maiores fãs do Woody Allen, mas gostei bastante deste, talvez por me identificar um bocado com essa história de querer ter vivido no passado (ainda que a minha onda fosse mais um Rio Antigo).

O ambiente parisiense é excelente e todos os “cameos” das figuras do passado são muito bons, destacando-se o Hemingway e a muita breve mas deliciosa aparição do Salvador Dali, no corpo do Adrien Brody.

Fiquei irritado comigo mesmo, pois não sabia que o “Façamos” do Chico Buarque é uma adaptação do “Let’s Do It” do Cole Porter. Agora sei.

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The Sunset Limited

Dois velhos e uma sala de estar. É tudo o que é necessário para fazer um grande filme.

Protagonizado por Samuel L. Jackson e Tommy Lee Jones e realizado por este último para a televisão americana, é imensamente superior a 90% dos filmes que estreiam comercialmente nas salas de cinema. Para isso muito contribui o brilhante texto de Cormac McCarthy que lhe dá origem e que opõe Black, um preto cristão evangélico, a White, um pessimista professor ateu.

White é salvo à última hora de um suicídio na linha do metro por Black, que o leva para o seu apartamento, sucedendo-se uma série de intensos diálogos entre os dois sobre o sentido da vida e da morte, os valores da sociedade e das religiões, e demais trocas de argumentos sobre a visão completamente oposta que os dois possuem do mundo. Por vezes dramáticas, outras divertidas, em todos os momentos estas conversas são lições de inteligência e de interpretação.

Ver isto ao vivo, num teatro, seria um privilégio e tanto.

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