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  • Vou contar-te como foi

    Já não estás no futuro, filha. A tua era começou ontem. Vou contar-te como foi.

    Começou por volta das 2 da manhã. Para mim, porque a tua mãe já sentia algumas dores antes, mas esperou ter a certeza para me acordar. (Acordar-me é duro. Ouvi dizer que vens mudar isso).

    Às 2h32 chegamos no Hospital Garcia da Orta. Não sei como há pessoas que continuam a não gostar de emigrantes no teu país, filha. Por essa altura na obstetrícia esperando as mulheres estavam eu, outro brasileiro e um indiano. Sem contar que a médica era de leste. Adiante.

    Enquanto a tua mãe esteve lá dentro sendo observada, ligada ao CTG e etc, o teu pai foi esperando, vendo mais setecentas vezes o painel mosaico sobre a estadia do Garcia da Orta na Índia que está na parede do Hospital, lendo mais oitocentas vezes as mensagens que os novos pais vão rabiscando nos quadros da sala de espera… esperar-te custa, filha! Tem isso em conta futuramente, quando te maquilhares, fores às compras, passeares com as amigas…

    Mas esta espera em particular compensou. Quando ela voltou, às 04h20, já veio toda equipada, de bata do Garcia e trouxa na mão para ser internada. Íamos ficar. Ias sair! Fez o aquecimento, benzeu-se e entrou e campo às 04h40. Outra longa espera até ser chamado para fazer parte da jogada também, o que só aconteceu às 06h12.

    Gostei do que vi quando lá entrei, na cama 4 do bloco de partos. A tua mãe estava toda feliz da vida, porque tinha logo levado a epidural, e não sentia dores. O ambiente também me parecia bom, muito calminho, tudo na paz. Toda a gente era extremamente simpática e prestável, apesar de as pessoas que lá estavam nessa altura não serem as mesmas da hora H, porque a troca de turno é às 08h00.

    A partir das 7 o panorama foi se alterando. A moca da tua mãe foi passando, as dores de volta, a dilatação não evoluía, e às 07h30 vieram da sala ao lado os gritos mais aterrorizantes que já ouvi na vida. Gelamos. Como a coisa não andava por aí além, às 8 achamos por bem eu ir comer para aguentar o baque. Quando voltei é que começou verdadeiramente a ação.

    Ocorreu a tal troca de turno, e a enfermeira responsável pelo teu nascimento apresentou-se, a enfermeira Isabel. Faço um parêntesis, ou melhor, uma vénia, para falar dela e das médicas que estiveram connosco. Absolutamente impecáveis, nada a assinalar senão a simpatia, a paciência e o profissionalismo. Ficamos muito felizes nesse aspeto. Como a coisa não andava muito, às 10 para as 9 a enfermeira meteu a tua mãe a levar Ocitocina, para regularizar as contracções e ver se evoluía. Ela levou outra droga qualquer para as dores também, visto que a epidural já era.

    Às 09h20, tudo na mesma, e chega uma das médicas que viria a acompanhar o parto, a Drª Fátima Romão (é a única de quem consegui decorar o sobrenome), analisa a “área” e diz: “só 10 mg de Ocitocina? Carrega 40, vamos embora, estamos aqui para isso”! Gostei da atitude. A partir daí as contracções estabilizaram e vieram mesmo com força. Houve muita dor filha, muita dor! Respeita a tua mãe, porque ela sofreu bastante por ti.

    Ainda assim, a dilatação continuava na mesma, os mesmos 4 dedos durante aquele tempo todo. Tudo fazia crer que o dia fosse bastante longo, sendo que a enfermeira até disse que gostava de te ver, mas que saía às 16.

    E de repente, tudo mudou. Ouvindo a tua mãe gritar de dor, ela veio espreitar a situação. E deu-lhe toda a razão do mundo. Às 10h03, apenas meia hora depois da última espreitadela, a tua mãe passou dos 4 dedos de dilatação para os 9! As águas ainda não tinham rebentado, portanto, a própria enfermeira tratou de rebentá-las (esta parte não doeu nada). Et voilá, dilatação completa. Completamente a postos para expulsar-te.

    E se antes tinha havido dor, filha, aqui houve mais ainda. Primeiro, levantaram as costas da maca para ela fazer força sentada, até tu te meteres a jeito, e depois deitaram-na novamente, para fazer força para saíres lá de dentro. Força essa que é não toda a força que a tua mãe tem, mas toda a força do mundo, e que ainda precisou da ajudinha de uma ventosa para te puxar, puxão esse dado pela Drª Cláudia, que foi quem te meteu cá fora.

    Às 11h52 foi a catarse. Chorei como nunca chorei na vida, quando comecei a ver a tua cabeça, e todo o teu corpinho de 50cm e 3.270kg escorregando em seguida. Cortei o cordão, e puseram-te no peito da mãe pela primeira vez.

    É a coisa mais linda, mais espetacular, mais emocionante que pode haver. Sobre tudo o resto, não minto. É feio por demais. Placenta, membranas, sangue… cenas. Cenário de guerra. Mamãe sendo cozida por mais de uma hora. Enfim, não importa.

    Valeu tudo a pena, filha. Vales tudo.

  • Django Unchained

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    Vale sempre a pena esperar por um filme do Quentin Tarantino. Esta frase continua inteiramente verdadeira. Diria até reforçada, depois deste Django Unchained.

    Se ele já tinha atacado o género Blaxploitation em Jackie Brown, aqui decide misturá-lo com um dos que lhe faltavam na filmografia: o western. Ou o southern, já que o cenário é todo sulista.

    Nos Estados Unidos de 1858, Django era mais um escravo sem qualquer esperança de salvação, até ser resgatado por um caçador de cabeças alemão, que precisa dele para reconhecer visualmente os seus próximos alvos. Inicialmente “contratado” somente para esta missão, Django vai aprendendo o ofício e se tornando um exímio pistoleiro, tendo em vista o objetivo derradeiro de salvar a mulher, de quem fora separado à força.

    Vários ingredientes básicos de filmes de ação à antiga misturados: separação à força da família, sede de vingança, associação de uma dupla improvável… tudo misturado numa panela cheia de sangue e referências históricas (e cinematográficas).

    Além da estilizada violência gráfica, a narrativa e os típicos diálogos tarantinescos, o que realmente dá um toque extra ao filme, é a plausibilidade dessa violência, no período retratado. Tanto a física quanto a verbal, aliás (a palavra Nigger é dita ou cuspida mais que uma centena de vezes). Motivo de incómodo para muita gente que gosta de lavar a história com paninhos quentes.

    O filme gira à volta de Django e o Jamie Foxx se assume o homem perfeito para o cargo, mas há varias outras personagens brilhantes, com a de Cristopher Waltz mais uma vez à cabeça. É também o melhor papel do Samuel L. Jackson num filme do Tarantino, depois de Pulp Fiction. Um velho servo negro profundamente racista (contra a sua própria raça), impagável.

    Depois há também as pequenas lições de cultura geral. Para mim, e acredito que para grande parte da minha geração, a palavra Mandingo só remetia o meu cérebro para referências pornográficas. O filme lava isso. Obrigado.

    Já me alonguei mais que o costume, portanto, o resto fica para verem. E ouvirem, que a banda sonora é, mais uma vez, outro espetáculo à parte.vlcsnap-2013-01-14-21h51m08s236

    Waiting for a Tarantino movie is always worth it. This statement remains absolutely true. I would add truest, after this Django Unchained.

    If he already went all Blaxploitation in Jackie Brown, here he decides to mix it with a gender missing in the filmography: the western. Or, more specifically, the southern.

    In 1858’s United States of America, Django was just one more hopeless slave, until he is rescued by a German bounty hunter, who needs him to visually recognize his next targets. Initially “hired” for just that mission, Django begins to learn the tricks of the trade and becomes an expert gunslinger, aiming the ultimate goal of saving his wife, from whom he was forcibly separated.

    There are several basic old school action movie ingredients: sudden separation, thirst of revenge, an improbable duo of heroes… all mixed in a pot full of blood and historical (and movie) references.

    Beyond the heavily stylized graphic violence, the narrative and the typical Tarantino dialogues, what really gives the movie an extra touch, is the plausibility of that violence, in that period. Both the physical and the verbal violence (the Nigger words is said or spat more than a hundred times). Strong reasons of discomfort to those who try to wash away dirt stories from the past.

    The movie is all about Django and Jamie Foxx assumes himself as the perfect man for the job, but there are several other brilliant characters, with Cristopher Waltz shining above others, once again. It’s also the best role of Samuel L. Jackson in a Tarantino Movie, after Pulp Fiction. An old black collaborationist racist servant. Priceless.

    There are also small general knowledge lessons here and then. For example, for me and my generation, the word Mandingo would only ring a bell about pornographic references. The movie sort of washes that. Thank you.

    I already talked more than I use to, so the rest is yours to watch. And listen, as the soundtrack is also brilliant. Once again.

  • 2013

    calvin_new_year

    Começo 2013 como terminei 2012. Esperando.

    Queria que o primeiro post do ano fosse dedicado ao nascimento da minha filha, mas por mais que eu lhe diga que já pode vir, quem decide é ela. Olhando para o que esperava de 2012, à primeira vista pode parecer que os objetivos não foram cumpridos na totalidade, principalmente no que diz respeito à “grande viagem”. No entanto, existe maior viagem do que ser pai?

    A espera pela Carolina torna tanto 2012 quanto 2013 dois grandes anos da minha vida, faz tudo o resto parecer praticamente irrelevante e permite-me passar otimista pelo período que vivemos. Eu já sou otimista por natureza. Se pesquisarem por aquela palavra de cinco letrinhas começada por C, a mais falada e comentada em todo o Portugal, não a encontrarão neste blog, no ano que passou.

    Não trato a p*** pelo nome não apenas porque dela estou farto, mas porque não preciso, pois todos sabem de quem se trata. Todos, neste país, dos 8 aos 80, não passam um dia sem ouvir o seu nome, várias vezes ao dia. Eu não quero falar sobre ela. Não por negá-la, obviamente, mas por já conviver tanto (desde sempre, por sinal) com a dita cuja que não preciso fazer dela o centro da minha existência. Eu quero combatê-la, sim, e aos que com ela lucram também, mas não deixando ela controlar-me, dominar todas as minhas conversas e o meu pensamento, deprimir-me, tirar-me ânimo para lutar.

    Dito isto, venha o ano, venha ela, venha o que vier. Estamos aí.

  • Recado para Alguém no Futuro #9

    O futuro destes recados está cada vez mais próximo, filha. Anteontem parecia-nos próximo até demais.

    A tua mãe não te sentiu mexer quase nada durante o dia. Fomos encaminhados para o Garcia da Orta, o hospital onde vais nascer. Felizmente está tudo bem, e parece que o teu ano vai ser mesmo 2013.

    Hoje sonhei contigo, e acordei com um sorriso de orelha a orelha. Tinhas os olhos azuis da tua mãe e, ainda recém-nascida, já falavas. Entre outras coisas, disseste que não gostas de abelhas. O que quer que isso signifique, eu também não.

  • Feliz Natal

    natal2012

    Sim, é a minha filha que está ali dentro, no seu palacete.

    Na condição de seu actual porta-voz, venho por este meio desejar a todos um excelente Natal!

    Que seja um dia em que pensemos apenas no que é realmente necessário e essencial nas nossas vidas.

  • A Ostra e o Vento

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    Este é um filme brasileiro de 1997, adaptado de um romance com o mesmo nome, e que deu também origem a uma belíssima música do Chico Buarque.

    O ambiente não é o que estamos habituados a ver atualmente no cinema Brasileiro: ao invés de cores e multidões, o isolamento cinza de uma ilha habitada por apenas duas pessoas, um pai, guardião do farol, e a sua filha. E vento, muito vento.

    No início do filme os pescadores que habitualmente trazem mantimentos para a ilha são confrontados com o desaparecimento dos dois, e somos então levados numa viagem pelos acontecimentos que antecederam o sumiço. O amor possessivo do pai pela criança, a dificuldade desta compreender o crescimento e a sexualidade estando em isolamento, e as consequências destrutivas na racionalidade de ambos.

    A Leandra Leal está impressionante para os seus 13 anos de idade, na época. Deve haver qualquer coisa de especial com essa idade e o mundo do cinema, pois é a mesma que a Natalie Portman tinha no Léon.

    A realização não chega a ser brilhante mas, a história e, principalmente, as performances dos atores, ficam na memória.

  • The Man with the Iron Fists

    Uma mistela de Kung-Fu, Wu-Tang Clan, slasher, western e filme de vingança série B? Com banda-sonora a condizer? Um presente perfeito para aquecer o meu Natal.

    O RZA é apenas um ferreiro (just a Black.. Smith) que forja as armas dos diversos clãs em guerra em Jungle Village, até que se vê obrigado a entrar em acção quando põe a sua vida e a da sua amada em risco, ao ajudar o filho de um dos líderes dos clãs, assassinado à traição.

    No fundo, apenas um tremendo masturbatório criativo para o RZA, patrocinado pelo Tarantino e pelo Eli Roth. Gosto.

  • Like

    A pedido de uma esposa, agora é possível fazer like nos posts deste blog.

  • Bando de Louco

    Ponto prévio, não simpatizo minimamente com o Corinthians. Mas por menos que simpatize, e por menor importância que a Europa dê ao Mundial de Clubes, não consigo deixar de celebrar uma conquista dessas por parte de um clube brasileiro.

    Mais ainda, não consigo deixar de ficar impressionado com um clube que consegue enfiar mais de 20 mil torcedores num estádio no Japão. Essa epidemia não me parece ao alcance de muitos, e provou fazer a diferença, contra o milionário Chelski. Os meus parabéns.

    A minha foto preferida das tantas que por aí andam é a seguinte, tirada ainda no embarque em São Paulo, por Nacho Doce, da Reuters:

    Torcida Corinthians

     

  • Oscar Niemeyer

    Curiosidade: nascemos ambos a 15 de Dezembro, no Rio de Janeiro. Enquanto eu me mantenho por mais uma semana nos 25, ele se foi beirando os 105.

    Partiu tranquilo com a vida.