Categoria: Uncategorized

  • Dia Mundial da Poesia

    Diz que hoje é Dia Mundial da Poesia. Qualquer dia é um bom dia para eu recordar o poema que eu mais amo, do grande Vinicius.

    O operário em construção

    E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
    – Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
    E Jesus, respondendo, disse-lhe:
    – Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
    Lucas, cap. V, vs. 5-8.

    Era ele que erguia casas
    Onde antes só havia chão.
    Como um pássaro sem asas
    Ele subia com as casas
    Que lhe brotavam da mão.
    Mas tudo desconhecia
    De sua grande missão:
    Não sabia, por exemplo
    Que a casa de um homem é um templo
    Um templo sem religião
    Como tampouco sabia
    Que a casa que ele fazia
    Sendo a sua liberdade
    Era a sua escravidão.

    De fato, como podia
    Um operário em construção
    Compreender por que um tijolo
    Valia mais do que um pão?
    Tijolos ele empilhava
    Com pá, cimento e esquadria
    Quanto ao pão, ele o comia…
    Mas fosse comer tijolo!
    E assim o operário ia
    Com suor e com cimento
    Erguendo uma casa aqui
    Adiante um apartamento
    Além uma igreja, à frente
    Um quartel e uma prisão:
    Prisão de que sofreria
    Não fosse, eventualmente
    Um operário em construção.

    Mas ele desconhecia
    Esse fato extraordinário:
    Que o operário faz a coisa
    E a coisa faz o operário.
    De forma que, certo dia
    À mesa, ao cortar o pão
    O operário foi tomado
    De uma súbita emoção
    Ao constatar assombrado
    Que tudo naquela mesa
    – Garrafa, prato, facão –
    Era ele quem os fazia
    Ele, um humilde operário,
    Um operário em construção.
    Olhou em torno: gamela
    Banco, enxerga, caldeirão
    Vidro, parede, janela
    Casa, cidade, nação!
    Tudo, tudo o que existia
    Era ele quem o fazia
    Ele, um humilde operário
    Um operário que sabia
    Exercer a profissão.

    Ah, homens de pensamento
    Não sabereis nunca o quanto
    Aquele humilde operário
    Soube naquele momento!
    Naquela casa vazia
    Que ele mesmo levantara
    Um mundo novo nascia
    De que sequer suspeitava.
    O operário emocionado
    Olhou sua própria mão
    Sua rude mão de operário
    De operário em construção
    E olhando bem para ela
    Teve um segundo a impressão
    De que não havia no mundo
    Coisa que fosse mais bela.

    Foi dentro da compreensão
    Desse instante solitário
    Que, tal sua construção
    Cresceu também o operário.
    Cresceu em alto e profundo
    Em largo e no coração
    E como tudo que cresce
    Ele não cresceu em vão
    Pois além do que sabia
    – Exercer a profissão –
    O operário adquiriu
    Uma nova dimensão:
    A dimensão da poesia.

    E um fato novo se viu
    Que a todos admirava:
    O que o operário dizia
    Outro operário escutava.

    E foi assim que o operário
    Do edifício em construção
    Que sempre dizia sim
    Começou a dizer não.
    E aprendeu a notar coisas
    A que não dava atenção:

    Notou que sua marmita
    Era o prato do patrão
    Que sua cerveja preta
    Era o uísque do patrão
    Que seu macacão de zuarte
    Era o terno do patrão
    Que o casebre onde morava
    Era a mansão do patrão
    Que seus dois pés andarilhos
    Eram as rodas do patrão
    Que a dureza do seu dia
    Era a noite do patrão
    Que sua imensa fadiga
    Era amiga do patrão.

    E o operário disse: Não!
    E o operário fez-se forte
    Na sua resolução.

    Como era de se esperar
    As bocas da delação
    Começaram a dizer coisas
    Aos ouvidos do patrão.
    Mas o patrão não queria
    Nenhuma preocupação
    – “Convençam-no” do contrário –
    Disse ele sobre o operário
    E ao dizer isso sorria.

    Dia seguinte, o operário
    Ao sair da construção
    Viu-se súbito cercado
    Dos homens da delação
    E sofreu, por destinado
    Sua primeira agressão.
    Teve seu rosto cuspido
    Teve seu braço quebrado
    Mas quando foi perguntado
    O operário disse: Não!

    Em vão sofrera o operário
    Sua primeira agressão
    Muitas outras se seguiram
    Muitas outras seguirão.
    Porém, por imprescindível
    Ao edifício em construção
    Seu trabalho prosseguia
    E todo o seu sofrimento
    Misturava-se ao cimento
    Da construção que crescia.

    Sentindo que a violência
    Não dobraria o operário
    Um dia tentou o patrão
    Dobrá-lo de modo vário.
    De sorte que o foi levando
    Ao alto da construção
    E num momento de tempo
    Mostrou-lhe toda a região
    E apontando-a ao operário
    Fez-lhe esta declaração:
    – Dar-te-ei todo esse poder
    E a sua satisfação
    Porque a mim me foi entregue
    E dou-o a quem bem quiser.
    Dou-te tempo de lazer
    Dou-te tempo de mulher.
    Portanto, tudo o que vês
    Será teu se me adorares
    E, ainda mais, se abandonares
    O que te faz dizer não.

    Disse, e fitou o operário
    Que olhava e que refletia
    Mas o que via o operário
    O patrão nunca veria.
    O operário via as casas
    E dentro das estruturas
    Via coisas, objetos
    Produtos, manufaturas.
    Via tudo o que fazia
    O lucro do seu patrão
    E em cada coisa que via
    Misteriosamente havia
    A marca de sua mão.
    E o operário disse: Não!

    – Loucura! – gritou o patrão
    Não vês o que te dou eu?
    – Mentira! – disse o operário
    Não podes dar-me o que é meu.

    E um grande silêncio fez-se
    Dentro do seu coração
    Um silêncio de martírios
    Um silêncio de prisão.
    Um silêncio povoado
    De pedidos de perdão
    Um silêncio apavorado
    Com o medo em solidão.

    Um silêncio de torturas
    E gritos de maldição
    Um silêncio de fraturas
    A se arrastarem no chão.
    E o operário ouviu a voz
    De todos os seus irmãos
    Os seus irmãos que morreram
    Por outros que viverão.
    Uma esperança sincera
    Cresceu no seu coração
    E dentro da tarde mansa
    Agigantou-se a razão
    De um homem pobre e esquecido
    Razão porém que fizera
    Em operário construído
    O operário em construção.

  • Mocca Branco

    Cuidado. EXTREMAMENTE VICIANTE!

  • Festival Internacional de Chocolate

    Hoje estive rodeado de gajas em Óbidos, no Festival do Chocolate. A amada amada, a amada irmã, a amada sobrinha e a amada cunhadinha.

    Gostei, mas só por ser em Óbidos, que vale sempre a pena. A decoração, a animação e as esculturas estavam engraçadas, mas nada por aí além, e o mar de gente e confusão não me cativaram. Muito menos a gravação do “Portugal no Coração” com o cromo do João Baião!

    Além disso, eu fui lá para me encher de chocolate, mas eles são forretas, não dão nada. Como eu forreta sou, não lhes comprei nada (não vou contabilizar um magnum branco, é trivial). De qualquer das formas, dá a impressão que um gajo sai de lá cheio na mesma, só com o cheiro, é um fenómeno curioso.

    O atelier de chocolateria da casa das crianças não posso avaliar, não me deixam entrar, apesar da minha visível juventude. No entanto, elas parecem gostar.

    Só para implicar mais um bocado: o “internacional” é enganoso, é tudo tuga.

  • Brumas da Memória

    Trabalhei com Sacadura Cabral muitos anos em África, em estudos geográficos. Em 1913 encontravamo-nos na fronteira de Baroce. Éramos astrónomos ambulantes… Um dia ouvimos os pretos comentar as nossas actividades: “os brancos nunca se perdem porque à noite perguntam a Deus onde estão.” Rimo-nos da sua infantilidade, porque o que nós fazíamos à noite era observar as estrelas! E é tudo.
    (Gago Coutinho)


    Coutinho à esquerda, Cabral à direita

    No dia 30 de Março de 1922, partiram de Lisboa Gago Coutinho e Sacadura Cabral, com destino àquela que viria a ser a primeira travessia aérea do Atlântico Sul.

    O percurso envolveu passagens pelas ilhas Canárias, pelos arquipélagos de Cabo Verde e de Fernando de Noronha, e inúmeras dificuldades e reparações no hidroavião que pilotavam. Pelo caminho, inventaram os meios de “navegar pelo ar com a precisão que se navegava pelo mar”.

    A 17 de Junho de 1922 foram recebidos como heróis (que eram) na Baía da Guanabara por uma multidão apoteótica, à boa maneira carioca.

    O lugar de onde partiram, a antiga Aviação Naval, em Belém, foi recentemente demolido para dar lugar ao Altis Belém Hotel & Spa©, à boa maneira portuguesa.

    Sinceramente, tenho ideia de que este facto é mais recordado no Brasil do que em Portugal, fruto do imenso valor que por lá se dá ao Santos Dumont (o “Pai da Aviação”), grande amigo dos dois ilustres “Portugas”.

    Lembrem-se deles quando reclamarem das muitas horas de viagem até ao Rio, com o rabo refastelado no banco fofinho, a lerem a Veja e a ouvirem a rádio de bordo…

  • Dia da Mulé

    Ainda na senda de Millôr Fernandes, algumas deixas do mesmo sobre a Mulher:

    • Mulheres são criaturas que se ignoram com o máximo de atenção.
    • Por mais que a gente acredite numa mulher, ela sempre acaba fazendo algo inacreditável.
    • De que serve mentir a idade, se a tua cara já está tão cheia de biografia?
    • Amizade é aquilo que uma mulher sente por outra quando ambas detestam uma terceira.
    • A primeira coisa que uma mulher observa num homem é se ele a observa.
    • Uma mulher perdida não passa de uma mulher muito encontrada.
    • Um homem deve fazer sempre o que bem entende, já que a mulher só faz o que nem entende.
    • A mulher que se entrega sem casar… eis a arte pela arte.
    • Era uma dessas mulheres que só dizem o que pensam. Por isso, às vezes, ficava dias e dias sem dizer uma palavra.
    • A diferença entre uma compra masculina e uma compra feminina é que, em geral, o homem paga o dobro do que o artigo vale e a mulher consegue pagar metade do que o artigo não vale.
    • A mulher nunca acha que sacou de mais: ela acha sempre que o marido depositou de menos.
    • Hoje em dia chama-se de mulher fiel aquela que trai sempre o mesmo homem.
    • Há homens que devem à esposa tudo o que são, mas em geral, os homens devem à esposa tudo o que devem.
    • Dizia uma – Que magnífico vestido esse teu, querida! Nunca me canso de admirá-lo! Cada ano que você o usa eu o acho mais bonito!
      Dizia a outra – Esse tecido que você está usando também é uma beleza! Porque você não o transforma em vestido?
  • Millôr Fernandes


    Demorei 22 anos da minha vida a tomar contacto com a deliciosa escrita de Millôr Fernandes. Sacrilégio!

    Até me sinto envergonhado de escrever qualquer coisa sobre alguém que brinca (literalmente) com a língua portuguesa com tamanha mestria. Assim sendo, desta vez vou copiar feito:

    “Encerrados na província, dramaticamente ocupados a polir a nossa albarda, somos literalmente atropelados por Millôr.
    Pela inteligência do homem: uma ironia gentil, um pessimismo brando, a tristeza própria de quem ri para não chorar.
    E então descobrimos que o português escrito é um pedaço de barro com possibilidades infinitas”.
    por João Pereira Coutinho

    Estou começando pelas Fábulas Fabulosas, espero devorar tudo o resto nos próximos tempos. Um cheirinho aqui.

  • Saga da Amígdala, parte MMMMCMXCIX

    Já fui ao otorrino.

    Para começar, levei outra vez no rabo, porque a tal amigdalite ainda não está curada.

    Além das amigdalites de repetição, tenho outro problema nas amígdalas; umas coisinhas brancas fedorentas que se vão formando na minha garganta, que eu supunha serem das amigdalites e a que vulgarmente chamamos pus, afinal é uma coisa mais chique, chamada Caseum (do latim Caseus, queijo!).


    Nhame nhame, queijinho!

    A própria estrutura das minhas amígdalas propicia o cultivo destas iguarias; basicamente, as merdas que eu como vão se acumulando nas criptas das amígdalas e vão apodrecendo.

    Nos próximos tempos vou andar “lavando” a garganta com solução Betadine para gargarejo, continuar o resto dos tratamentos e ver como as coisas correm. O Dr. desta vez disse que se continua mesmo assim, vamos começar a pensar na cirurgia.

    Wish me luck.

  • Golazo!

    Mas ninguém me dizia nada deste golo??? C’um Catania!

    E atenção: isto é um grande derby siciliano, e o cabrão rematou com intenção! Mamma mia!!! Vafanculo!

  • Levei no cú

    Levei mais uma vez no cú. Literalmente.

    Hoje levei a primeira injecção de penicilina deste ano. No ano passado, tive 7 amigdalites; em todas elas, receitaram-me injecções de penicilina, sendo que em algumas dividiram a toma em duas doses (consoante o médico que tá de plantão).


    Tão bonita que ela é no papel…

    Esta quinta-feira tenho mais uma consulta com o otorrinolaringologista, que diz que preencho os requisitos para uma extracção, mas pretende imunizar-me antes de pensar na operação. Vamos ver. Desde que me conheço como gente que é assim.

    Até lá, quem se candidata a realizar uma amigdalectomia caseira? O Gimbras diz que o assunto se resolve com um cutelo.

    PS/Prevenir discussões:
    Eu sei que cú não leva acento por ser um monossílabo tónico etc etc. Mas acho que a palavra fica mais forte, e o cú é meu, escrevo como quiser.

  • I knew the answers

    O hype e as polémicas justificam-se. Não acho que seja grande, grande, mas é um belo filme. O Danny Boy(le) quando acerta, acerta; bem contado, e filmado com um estilo e ritmo muito próprios. A banda sonora ajuda muito à festa (sou fã, ainda hei-de fazer parte dum clip destes).

    Tragédia, romance, redenção. Sigam e emocionem-se com as peripécias de Jamal & Co. E com a Latika…