Andanças, Pátria que me pariu

Brasil

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Vou deixar para depois a componente turística da nossa última viagem e descarregar parte do que ela despertou em mim, a nível sentimental e afetivo.

Desde 1998 que eu não ia ao país e à cidade que me viram nascer. Uma eternidade, e uma tristeza que me consumia anos após anos, aumentada e seguida de embaraço quando alguém me perguntava se costumava ir lá com frequência, ou qual tinha sido a última vez.

Nessa época, o Brasil tinha acabado de perder a Copa para a França, o país estava em clima de depressão económica e a Costa de Caparica era literalmente invadida por Brasileiros em busca de melhores condições de vida. Portugal tinha acabado de sediar a Expo 98, respirava aparente saúde financeira e estava a caminho da ilusão do Euro. Eu tinha 12 anos, e não sabia de nada, inocente.

Hoje a situação é quase diametral: Portugal enfrenta uma crise sem fim à vista, quase todos os brasileiros da Caparica regressaram às origens, o Brasil organizando a sua própria Copa e seguindo crescendo, ainda que com muito trabalho pela frente para poder confirmar o seu potencial. E eu, agora homem feito, pai, marido, um pouco menos inocente, mas ainda sem saber de nada.

Partimos no dia 21 de Abril e chegamos lá dia 22, curiosamente o mesmo dia em que os primeiros portugueses desembarcaram no Porto Seguro, em 1500. Por coincidência ou talvez não, o avião da TAP que nos transportou tinha precisamente o nome de Pedro Álvares Cabral.

Sabia que a emoção seria sempre imensa, mas as minhas expetativas foram largamente superadas, principalmente num ponto: nos seus quinze meses de vida, nunca vi a minha filha tão feliz. Se sentiu em casa. Não estranhou nada. Adorou a praia e água, adorou a comida, adorou a família, adorou as pessoas,  adorou a bagunça, adorou o sol.

Não vai se lembrar de nada disso, mas quero acreditar que de alguma forma ficará marcado nela e fará parte da pessoa que ela venha a ser. Sem entender onde estava nem pensar em quais eram a diferenças, se apaixonou, como tantos outros que lá chegaram antes dela. E é isso que define o Brasil. Essa capacidade de encantar, de entrar na pele, sem precisar de explicações ou de lógica e sentido.

Está longe de ser um país perfeito? Está. Tem um caminho enorme pela frente. Mas vale a pena percorrê-lo.

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Pátria que me pariu

Scam City

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Em regra geral, apanham-se séries boas no National Geographic, em zapping. Esta Scam City (Burlar Turistas,na tradução do canal português) é mais uma delas.

O apresentador tem um daqueles trabalhos que eu adoraria ter: ser pago para viajar. No caso, é pago para viajar e ser roubado, procurando e explicando os esquemas de roubo e vigarice das cidades que visita.

Ao mesmo tempo que gostei de imediato da série, me senti meio envergonhado no segundo episódio que peguei: Rio de Janeiro. Em época de Carnaval.

Logo no primeiro dia, na praia, é roubado de todas as formas possíveis. É distraído na praia e roubado, é enganado por um taxista malandro que esconde nota de 5 em troca de nota de 50, de noite tem prostituta querendo oferecer caipirinha temperada com “boa noite cinderela”.. Nos dias seguintes continua, com incursão em macumba falsa e investigação de jogo do bicho.

O que meio me envergonha não é a realidade retratada, sabendo o que a propicia; é o orgulho com que os personagens vão gabando a malandragem (o taxista é o expoente máximo do falastrão).

No entanto, é esse mesmo jeito Carioca de ser dos personagens que faz o apresentador exclamar no fim que adorou a experiência, e que não hesitará em voltar. O mesmo encanto que faz o meu pai e muitos outros não cariocas dizerem que só querem morrer lá.

Fica pra pensar.

Notas:

Um apontador para o episódio em questão é disponibilizado neste site cultural.

A foto que ilustra o post foi tirada do site Travel and Escape.image

Lately, I’ve been catching some quality series on National Geographic. This Scam City (“Burlar Turistas” is the Portuguese translation) is one of them.

The host has one of those jobs I would die to be hired to: be payed to travel. In his case, he is payed to travel and get robbed, searching and explaining all kind of scams of theft and robbery in each city he visits.

The second episode I saw caused me mixed feelings: whilst confirming it was a very watchable (and useful) show, it also made me really ashamed about my origins. Yes, it was about my hometown, the wonderful city of Rio de Janeiro.

At the very first day, at the beach, he is robbed in each and every possible way. He is distracted by thieves and picpocketed at the beach, he is fouled by a smart ass cab driver who magically turns his 50 bills into 5 ones, he goes out at night and some prostitute try to drug him with “Good Night Cinderella” caipirinhas and it goes on and on, with excursions to fake “macumba” (black magic) rituals and illegal gambling investigations.

What makes me ashamed are not the facts shown, because I know the whole context behind them; it’s the pride the characters show, bragging every time their rascal skills (the cab driver is the ultimate loudmouth).

But at the same time, is that Carioca way of life that makes the host state, at the end of the episode, that absolutely loved the experience, and won’t hesitate to get back to Rio. The same magic spell that makes my own father and many other non-native Cariocas declare that don’t want to die elsewhere.

Be aware. You’ll say the same.

 

 

Nota: um apontador para o episódio em questão é disponibilizado neste site cultural.

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Cinemadas

Rio

Não é preciso muito para levar-me a arrastar a minha sobrinha (enquanto não há filhos aqui no ninho) para ver bons filmes de animação; sendo um novo filme com o dedo da Blue Sky e tendo como mote um bicho que foi arrancado do Rio de Janeiro ainda pequeno e levado para uma terra fria, este era mais que obrigatório.

Blu é uma arara azul carioca que vive feliz e domesticada no Minesotta, sem nunca sequer ter aprendido a voar. Certo dia, descobre-se que Blu é o único macho da sua espécie,e a sua dona é dissuadida a levá-lo à terra natal para acasalar com uma fêmea; pelo meio, as duas aves são roubadas por traficantes e toda uma aventura típica é desencadeada.

Portanto, não sou azul mas nunca serei completamente isento numa viagem pessoal e naïf como esta, assim como o próprio realizador (Carlos Saldanha, carioca mago do CGI) não o foi. Coração de parte, o filme está muito bem conseguido, toda a envolvente paisagística carioca está espectacular, ainda que nem sempre realista (o que não era o objectivo, as favelas por exemplo estão pitorescas, não degradantes),  sendo cerca de hora e meia de muita cor e alegria, apresentadas de forma simples.

Não posso deixar de implicar com enfiarem os Black Eyed Peas pelo meio; até nem atrapalham nem desvirtuam muito a coisa, mas os momentos musicais verdadeiramente brasileiros são imensas vezes superiores aos que eles apresentam, mas compreendo a jogada.

Doesn’t take much for me to grab my niece to catch a good animation movie; being a Blue Sky movie about an animal that was stolen from Rio de Janeiro in tender age and taken to a cold land, this one was definitely mandatory.

Blu is a carioca Blue Maccaw that lives happy and domesticated in Minnesota, without even ever learning to fly. Someday, a scientist discovers that Blue is the only male of his specie, and convinces her owner to take him to Rio to copulate with a female Maccaw; meanwhile, the two birds are stolen by smugglers, and a whole typical adventure begins.

So, I’m not blue, but obviously I’ll never be impartial enough in such a personal and naïf trip like this, as even the director Carlos Saldanha (carioca CGI guru) wasn’t. Heart apart, the film is very well achieved, all the carioca landscaping and surroundings are gorgeous (although not always realistic, but that was not the point, the slums for example are picturesque rather than degrading), and its a one hour and a half full of color and joy, presented in a simple fashion.

Personally, I don’t like the way they stick the Black Eyed Peas on it; although they make no harm, the truly Brazilian musical moments are way superior, but I have to understand the option.

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Cinemadas

Caveira!

A primeira vez que ouvi falar que iam fazer uma sequela do Tropa de Elite, fiquei bastante de pé atrás, achando que iam tentar esticar a corda da popularidade do filme com uma história qualquer de encher chouriço só para tentar recuperar alguns dos cobres que tinham perdido com a pirataria que abalou a estreia do primeiro. Ainda bem que fiquei assim, porque a surpresa foi boa, o filme é esplêndido.

O José Padilha manteve firme o leme, e decidiu tomar um rumo de certa forma arriscado, mas completamente certeiro. Não sei se possa dizer com absoluta certeza que a sequela suplanta o original, pois são demasiado diferentes, mas no cômputo geral acho que, para mim, consegue ser superior sim.

Se o primeiro filme desferia um murro no estômago, este tem uma trama (muito bem orquestrada) que enfia o dedo em várias feridas e chafurda até a infecção alastrar. A adrenalina descomedida dá lugar a uma viagem mais detalhada pela podridão dos diversos “sistemas” que corroem a sociedade carioca (e brasileira, em geral), desde as forças policiais até às elites políticas. As diversas caricaturas dos policiais e dos políticos teriam muito mais piada se não fossem verdade, ou seja, se na vida real não se continuasse a trocar vidas por votos e progresso por poder, como as mais recentes tragédias teimam em atestar.

A nível de interpretação em si, de Wagner Moura não preciso falar, fiel a si próprio e ao peso de ter uma personagem com o mundo às costas; destaco, no meio dos diversos maus da fita, o polícia Rocha, um vilão atípico que paradoxalmente consegue se destacar precisamente pela sua mediocridade, pela naturalidade e pelo desplante com o qual vai levando o seu esquema avante, como se nada fosse.

Uma indústria cinematográfica que consegue nos oferecer um filme desta maturidade, e que o faz sem abalar o seu sucesso junto do grande público, não fica a dever nada a Hollywood, senão algumas lições.

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Cinemadas, Pátria que me pariu

Dançando com o diabo

Ontem à noite deu este documentário de Jon Blair na rtp2.

Não traz grande novidade, mas é interessante. Vão sendo mostrados diversos depoimentos de traficantes, moradores e polícias do Rio de Janeiro, tudo sob uma perspectiva voyeurista: não são mostradas perguntas, e deixam-se aos critérios dos espectadores as conclusões, que hão-de ser sempre ambíguas, dado que chegamos sempre às mesmas contradições e confirmações do ciclo de violência.

Os elos condutores do filme são Dione, um pastor evangélico que luta para tirar os bandidos do tráfico e trazê-los para a igreja, e o Homem Aranha, um barão da droga que diz que quer largar essa vida, mas não sabe como. E é aqui que o documentário se mostra interessante: por mais que eu abomine a maior parte das igrejas evangélicas que florescem (e pro$peram) que nem cogumelos, aqui dá para notar a verdadeira força que a fé tem, quando bem direccionada.

A confirmação (ou melhor, constatação) que é um problema horrendo e longe do fim, e que o caminho não pode passar somente pela violência, que maior violência gera.

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Cinemadas, Pátria que me pariu

5x Favela

Tenho ouvido maravilhas do outro lado do oceano, do filme “5x Favela, Agora por Nós Mesmos”.

5 curtas-metragens escritas, interpretadas e realizadas (sob a batuta do produtor Cacá Diegues) por oficinas de actores das favelas do Rio; segundo consta, subvertendo estereótipos, pela vontade dos próprios (a favela dos moradores, não a dos bandidos ou dos polícias, como diz o trailer).

Não consigo descortinar quando, ou mesmo se, terá estreia em Portugal. Fico a aguardar novidades oficiais ou dos fornecedores do costume. Fica o trailer abaixo para referência futura.

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Cinemadas

Orfeu Negro, 1959

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Orfeu Negro foi o único filme de língua portuguesa a ganhar um Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Digo de língua portuguesa, e não brasileiro, porque oficialmente foi considerado como sendo um filme francês, por causa do seu realizador, Marcel Camus, e de uma das suas produtoras. Assim o foi com a Palma de Ouro e com o Globo de Ouro; já o Bafta decidiu atribuir também o mérito a quem de direito.

Pouco importa: é cinema brasileiro, e de uma era em que esse cinema dava cartas sem necessitar de disparar um único tiro ou proferir algum palavrão. Uma era em que a favela era só morro, e o Rio merecia plenamente o epíteto de Cidade Maravilhosa.

É um filme que poderia ser visto de olhos fechados, tamanha a qualidade da banda-sonora do mestre Antônio Carlos Jobim e Luiz Bonfá (prelúdio da bossa nova que estava nascendo), e a intensidade do samba que rola praticamente constantemente ao longo das quase duas horas de filme. Mas o melhor mesmo é mantê-los bem abertos, e desfrutar da explosão de cor (ou eastmancolor) com que o Rio antigo e os seus habitantes são retratados.

Penso até que o tal do Camus ficou demasiado vidrado pelo Rio e pelo samba e esqueceu que estava fazendo um filme, com tanta sequência de longos minutos em que só se vêem pernas frenéticas balançando e corpos suando de um lado para o outro. Compreensível e perdoável, provavelmente aconteceria a qualquer um.

A história é uma adaptação (bastante) livre da tragédia grega de Orfeu e Eurídice, adaptada à realidade carioca. Tragédias gregas são temas recorrentes na música e dramaturgia brasileira (vide a Gota D’Água do Chico), sendo o próprio filme inspirado numa peça de Vinicius, Orfeu da Conceição. Não sei quem foi o primeiro a encontrar a ligação entre as tragédias gregas e o Carnaval carioca, mas a fórmula provou ser brilhante.

Todo ele é exuberância, ingenuidade, e completa demonstração do que é a insanidade daquele Carnaval. É sem dúvida um retrato demasiado romantizado e lírico, mas que não deixa de exercer enorme fascínio.

Não percebo como a carreira da belíssima Marpessa Dawn (que não era brasileira) não deslanchou em seguida: ela nem precisava falar para encher a cena, tamanha a simplicidade e beleza dos seus gestos.

Parafraseando e repetindo, o simples já é de si complexo. E faz cada vez mais falta.

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Pátria que me pariu

Rio 2016 – Yes We CRÉU!

Quem vê este vídeo e não se arrepia é um grande animal.

Excelente pretexto para fazer uma visita à minha cidade-berço. Espero que hajam outras entretanto, que até 2016 já tou careca.

Agora, sejamos honestos: foi uma luta desleal. Com Tóquio e Chicago a arderem logo (nem o Obama safou a coisa), uma final entre Rio e Madrid? Mas brincamos?

Muito trabalhinho pela frente, mas é mesmo disso que a cidade maravilhosa precisa. Ainda acredito, e muito, no meu Brasil, o eterno “país do futuro”…

Agora com licença que vou ali ver se o meu segundo sobrinho já decidiu nascer, que é p’ra poder partir para um fim de semana alentejano com a mais que tudo.

Fui!

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