Vi todos os filmes recentes da Marvel, mas nos últimos setenta e cinco, terminei sempre a jurar para mim mesmo que nunca mais ia perder tempo a ver exatamente a mesma fórmula, com outro cheiro.
Isto é completamente diferente, e em boa hora veio demonstrar o que é ser verdadeiramente original, mesmo com as amarras de um grande estúdio por trás.
Confesso que não esperava tanto, e a overdose de conteúdo promocional com que levamos nas redes até o filme estrear deixou-me ainda mais desconfiado, mas os receios acabam ao fim do primeiro minuto de filme – estilo Deadpool de início ao fim, turbinado com os direitos e o dinheiro da Marvel/Disney.
Exagero por todo o lado – sangue, sangue, sangue, politicamente correto pelo ralo abaixo a toda a hora, mais sangue, e, a cereja no topo do bolo, um bando de cameos absolutamente extraordinários, que no meio de tanto non-sense acabam por fazer um sentido incrível, e aquecem o coração de quem teve a adolescência no final dos anos 90 e início dos 00’s.
Todo o filme dá a sensação de que o Deadpool fica por aqui; por mais que fiquemos a salivar por mais, não vejo melhor maneira de fechar este ciclo em apoteose.
Mais um filmaço do Chris Nolan. Ênfase no aço, em todos os sentidos.
Elencaço, com Cillian Murphy à cabeça, cada vez mais firme como um dos atores icónicos da sua geração e tempo. Sem necessidade de muitas falas ou espalhafatos, transparece sempre uma entrega tremenda e uma capacidade de se transformar nas personagens só com a postura. Mas todos os colegas, com maiores ou menores papéis, encaixam e brilham à sua volta, incluindo um Josh Hartnett tão “maduro” e que eu não via há tanto tempo que demorei a perceber quem era.
Banda sonorazaça, embalando de forma sublime a história, subtilmente dando o clima certo em cada momento; a maior parte do tempo, tenso ou melancólica, elevando a emoção nos momentos certos, seja imprimindo grandiosidade ou simplesmente se remetendo ao silêncio.
E que história, e que momentos. Não sei se para todos os gostos, dada a duração e a profundidade em certos “capítulos” menos dados à ação (exemplo – os “interrogatórios” da audição), mas é um prazer para quem consegue abstrair do tempo e simplesmente desfrutar.
Eu podia substituir a parte final da frase seguinte por N outras coisas que a pandemia deixou em suspenso, mas aqui vai: nunca imaginei que ia ficar exactamente dois anos sem ir ao cinema.
Na verdade, já tinha quebrado mais ou menos esse jejum com um filme ou outro em que fomos com as crianças, em horas mortas, mas não é a mesma coisa.
Confesso que neste fui mesmo pelo hype, pois não sou propriamente conhecedor do livro que lhe deu origem nem joguei por aí além o jogo na minha infância/adolescência, apesar das vagas memórias que tenho Dune II serem boas. Fora o falatório que o filme tem gerado, o realizador também me entusiasmou, pois a experiência visual do remake que ele fez do Blade Runner foi arrebatadora.
Esta não só não fica atrás como estica um pouco mais a corda; pode não fazer grande sentido comparar, mas se em grande parte do filme sente-se um pouco da mesma vibe intimista e introspectiva, há aqui uma dose muito maior de grandiloquência, e aquele sentimento quase constante que estamos a presenciar um acumular de tensão que vai desabar num final verdadeiramente épico, que… acaba por não acontecer, e deixa uma expectativa muito grande para a segunda parte, que já se confirmou que irá ser produzida, e que pela amostra (se é que se pode chamar isso a um filme de quase 3 horas) que aqui deram, promete, pois está todo um imaginário muito bem conseguido.
Para ser em grande, experimentei também pela primeira vez ver um filme numa sala IMAX, no Colombo; é sem dúvida um ecrã brutal e que dignifica um filme deste género, mas não tenho a certeza absoluta que justifique a deslocação (sim, ainda não há IMAX no “deserto” aka Margem Sul) e o preço. Fica pra pensar.
Não tinha expectativas nenhumas sobre este filme quando ouvi falar da sua produção, o que só tornou melhor a experiência de ver o resultado final; assim de repente a DC lança da cartola um filme que demonstra que afinal ainda é possível fazer bom cinema com o universo dos super-heróis e da banda desenhada.
Não me levem a mal; comi os últimos filmes todos da Marvel e desfrutei, gosto de um bom filme-pipoca também… mas aquela merda é toda sempre igual, é muito óbvio que perceberam que a fórmula dá dinheiro e vão repeti-la até à exaustão, não os censuro.
Aqui a história foi outra; isto é quase um filme de autor, sem aparentes pretensões de ser incluído em sequelas megalómanas de universos grandiosos, é simples, é arriscado, provoca emoções fortes, dá que pensar… é um filme a sério, com uma interpretação e uma entrega absurdas por parte do protagonista, com várias leituras e questões em aberto, uma atmosfera carregada, intensa, suja, uma série de combinações que muito dificilmente não deixam uma marca forte no espectador.
Poupem a questão de nomear outras pessoas para aquela estatueta dourada e entreguem-na já ao Joaquin.
Tinha grandes expectativas para este filme, e não saíram defraudadas. Primeiro, porque adoro o homenageado em questão, um artista completamente contra a corrente para o Portugal de então e muito à frente do seu tempo. Segundo, porque adorei a vibe do trailer; por último, e principalmente, porque há uns bons anos atrás vi o Sérgio Praia ao vivo, quando ainda era (para mim) um desconhecido, e já então achei-o um actor do caraças (ele não se deve lembrar mas até veio cá agradecer, o que muito me honrou).
Ele é efectivamente o filme (e segundo consta, muito tempo lutou pela sua produção), fá-lo com uma entrega tremenda, saltitando entre momentos de exuberância (nunca excessiva) e outros de quase contrição, mergulhando-nos completamente na jornada de transformação do cantor António na estrela Variações.
Tudo isto é feito sem o típico endeusamento que é feito nestes biopics, focando-se mais no facto do Variações ser um gajo “normal”, com alguma visão, e que meteu na cabeça que queria ter sucesso na música e não descansou enquanto não o alcançou.
São realidades completamente diferentes, mas digo honestamente que não acho que este filme fique atrás do Bohemian Rhapsody, enquanto cinema, e fosse ele Hollywood e estaria oscarizado.
Já não me lembro há quantos anos não ia ver um filme em noite de estreia, e nada melhor que um do Tarantino para desenferrujar essa experiência.
Segue firme a máxima de que não há um filme dele de que não tenha gostado; diria que, no meu top pessoal, este fica mais ou menos a meio, tendo coisas que adorei e não tendo outras das quais senti falta.
Adorei a atenção aos mais ínfimos pormenores no sentido de retratar fielmente a Hollywood do final dos anos 60; cenários, músicas (a banda-sonora é gigantesca), anúncios, carros… tenho para mim que este deve ter sido um dos filmes que mais prazer lhe deu filmar, sendo um verdadeiro playground para extravasar a sua paixão pelo cinema.
Senti falta dos longos diálogos filosóficos, dos quais houve apenas um cheirinho maior na efémera personagem do Al Pacino (brilhante no seu curto tempo de antena), e de uma pequena criatura de 10 anos chamada Julia Butters que é simplesmente genial.
Adorei a química entre o Brad Pitt e o Di Caprio, e a forma como o primeiro, sendo o “secundário”, roubou (deliberadamente?) a cena.
Senti falta de um daqueles cameos do Tarantino “só porque sim” (há um nos créditos, mas só em voz).
Senti falta das catarses de violência absurdas, mas adorei, mesmo, muito, a derradeira que acontece perto do final, do qual adoraria escrever muito mais, mas que estragaria tudo para quem ainda não viu.
As expectativas para este filme estavam muito altas: Unbreakable está há vários anos no meu imaginário e a surpresa com que o seus protagonistas regressaram (acho que não vale a pena fazer spoiler alert quase 2 anos depois) tornou Split num dos meus filmes preferidos de 2017.
Não desiludiu. Começou tremendamente confuso, com transições muito estranhas e aparentemente disconexas, mas as poucos tudo foi se compondo e interligando e quiçá até tinha sido uma fragmentação intencional a jogar com a temática dos estilhaços de vidro (ou não tem nada a ver mas até parece bem ver por esse prisma).
Entre vários méritos, e sem surpresas grande parte dele vai para os protagonistas, destaco a forma como é feito um filme de super-heróis que não parece sê-lo, dada a relativa plausibilidade da coisa, e a forma como nos vai fazendo questionar tudo e mais alguma coisa ao longo da história, colocando-nos no mesmo estado de espírito e de questionamento dos protagonistas
Não faço ideia se a intenção original do M. Night Shyamalan sempre foi esta, mas é uma verdadeira lição no que diz respeito a como fechar um ciclo e fazer sequelas que valem a pena. Muito curioso para ver o que faz a seguir, e se ganha balanço de vez ou volta a outra travessia do deserto.
Vergonhosamente, este foi um ano em que eu até vi bastante cinema (ainda que muito dele em casa e nos transportes públicos), mas só agora me apercebi que não reflecti isso aqui no blog como de costume, não tendo escrito um único artigo de cinema dos filmes deste ano!
Para fechar o ano em redenção e em retrospectiva, estes foram os filmes deste ano de que mais gostei, uma mistela de géneros e feitios em ordem aleatória:
Coco
O melhor filme da Pixar desde, sei lá… Wall-e? Nunca desgosto verdadeiramente dos filmes deles, mas há muito tempo que não me entravam na cabeça de forma tão vincada. Agarraram num imaginário forte (dia de los muertos/folclore mexicano) e deram-lhe uma abordagem colorida, imaginativa e muito, muito divertida. Tem a vantagem de ter sido uma experiência de cinema partilhada em família e de os pequeninos também terem ficado deslumbrados. La Llorona tem feito sucesso no nosso carpool karaoke, dia sim/dia sim.
Split
É do ano passado, mas só vi há pouco tempo e entra aqui na lista na mesma onda do anterior: mais um comeback do c******. Uma performance brutal do McAvoy em cada uma das 20 e tal personalidades que interpreta e um ambiente de angústia permanente a demonstrar que as notícias sobre a morte artística do M. Night Shyamalan eram manifestamente exageradas. A pequena surpresa no final é a cereja no topo do bolo.
Dunkirk
Este felizmente vi mesmo no cinema, pois é uma experiência que vale muito a pena ter no grande ecrã; qualquer uma das perspectivas com que a história vai sendo desfiada (terra, ar, mar) é bastante imersiva, e a forma como o realizador vai saltando entre elas é de mestre, como já é da praxe. Outra lição é a forma como consegue condensar tanta história e de forma tão intensa em pouco mais de hora e meia de filme, uma raridade nos dias que correm, em que o esticar da corda é a regra.
Logan
Os filmes de super-heróis já chateiam de tão iguais que são uns aos outros; este Logan vai contra a corrente, assumindo toda a negritude que a personagem carrega e enveredando numa espiral bastante crua de decadência, até à esperada redenção. Provavelmente o melhor dos milhentos filmes em que o Hugh Jackman interpretou Wolverine e uma excelente despedida (?) deste personagem.
Baby Driver
B A B Y… Baby! A originalidade e a audácia deste filme é notória; é um filme de acção que é quase um musical, dada a preponderância que a música assume no desenrolar da história e a forma como esta está embebida e sincronizada no seu protagonista. Acho que teve sorte de ter saído antes das polémicas do senhor Kevin Spacey e não ter tido a estreia manchada por isso, porque a história até era propícia a especulações.
Get Out
Este foi para mim a maior surpresa, pois desta lista foi aquele para o qual partia com menores expectativas. Uma excelente abordagem crítica de fundo às relações inter-raciais e tensões inerentes, num thriller que consegue a façanha rara de durante grande parte do tempo ser inquietante e ao mesmo tempo ter bons momentos cómicos. Não conhecia o protagonista, que tem uma performance de enaltecer, no meio de um conjunto de excelentes interpretações por parte de quase todo o elenco. Nota também para a música que abre, fecha e que dá sinais de alerta ao longo do filme, Sikiliza Kwa Wahenga; aconselho a ouvi-la e a procurar o seu significado apenas depois de ver o filme, senão perde o impacto.
Desilusões:
T2 Trainspotting
Epá, valeu a pena na mesma ser feito, foi fixe ver aquela gente toda junta passado tanto tempo, mas não, não chega lá.
Blade Runner 2049
Também valeu a pena ser feito e está num patamar bastante superior do filme acima; visualmente é espectacular, mas não é, nem de perto nem de longe, tão arrebatador quanto o primeiro. Pode ser que envelheça bem, visto que o primeiro não foi muito bem recebido na altura.
Escrevo sobre este filme poucas horas antes de se confirmar se ganhará ou não uma catrefa de óscares, mas é mera coincidência.
Já referi aqui anteriormente o meu absoluto desprezo por esses prémios, e também já falei sobre a minha paixão por musicais, que tipicamente só é saciada com o recurso à revisitação de obras mais antigas.
Este filme em particular encheu as minhas medidas, não só por ter bastante qualidade no que à musicalidade e à poesia diz respeito, mas por diferir de outras obras mais recentes do género na medida em que não envereda muito pela vertente da megalomania; apesar de começar com uma cena bastante grandiloquente, tecnicamente impressionante e com milhentos figurantes, na maior parte do tempo prima pela simplicidade e pelo destaque ao talento dos protagonistas.
Tenho visto muita gente reclamar de todo o hype à volta do filme, e creio que a indignação é justificada; percebo que quem não goste de musicais não se deixe entusiasmar, e compreendo que o ritmo inicialmente morno não seja para toda a gente, mas comigo funcionou e foi me prendendo de mansinho até me arrebatar completamente. A prova final é as músicas ainda não me terem saído da cabeça, quase um mês depois de o ter visto. Sim. Sou desses.
Numa nota mais pessoal, também soube especialmente bem após não sei quanto tempo curtir um verdadeiro cineminha romântico com a mulher que amo!
A minha primeira ida ao cinema foi tão memorável que sou o único da família a lembrar-me dela, apesar de ter, na altura, mais ou menos a idade que a Carolina tem agora. Fui ver os Tartarugas Ninja, de 1990, ainda no Brasil. Lembro que quando entrei na sala fiquei absolutamente embasbacado com o tamanho do ecrã, e que já na altura odiei o facto da minha mãe ter o péssimo hábito de falar muito durante todo o filme.
Faço esta introdução porque é a primeira vez que escrevo aqui sobre uma ida ao cinema em que o filme em si assume um papel secundário; o protagonismo aqui vai todo para o momento pelo qual eu esperava ansiosamente há mais de três anos: o primeiro contacto da Carol com a magia do cinema.
Não que o filme não seja bom, porque apesar de jogarem mais ou menos pelo seguro e a coisa acabar por pender mais para a rentabilização do franchise do que para o brilhantismo, a Pixar não desilude e consegue cumpre bastante bem o papel de entreter-nos, acrescentando pelo meio uma personagem que rouba completamente o protagonismo dos ditos principais: o polvo Hank.
Voltando à Carol, ainda antes dela nascer já eu imaginava como seria essa primeira vez no cinema, e se ia conseguir incutir-lhe ou não essa paixão. Obviamente que esta segunda parte ainda está por comprovar, mas valeu bastante a pena e espero que também lhe tenha ficado na retina.
Inicialmente ela quase nem pestanejava, num misto de perplexidade e desconfiança, motivada principalmente pelo turbilhão de trailers com que se deparou e que a levaram a perguntar mais que uma vez, quase em desespero: “então e a Dory?”.
Um dos nossos medos era que ela nem sequer aguentasse o filme até ao fim, mas apesar de a determinada altura ter ficado agitada, com o intervalo a coisa acalmou e trouxe ainda mais contentamento; à medida que o filme foi chegando ao clímax, ela foi se entusiasmando cada vez mais, dando aquelas sorrisos bem rasgados acompanhados de olhares de aprovação que confirmaram o sucesso da coisa e me fizeram ganhar o dia.
Agora é continuar a alimentar a chama e, mais uma vez, esperar ansiosamente que chegue também a vez do Francisco.