Paternidade

Vou contar-te como foi #2

Já não estás no futuro, filho. Já estás no mundo há mais de uma semana, e tem sido espectacular ter-te aqui.

Ao contrário do nascimento da tua irmã, que nos tirou da cama a meio da noite, o teu foi com data e hora marcada, o que não quer dizer que não tenham havido surpresas.

Chegamos ao Hospital Garcia de Orta às 8h10, 20 minutos antes da hora indicada. É o habitual na obsessiva pontualidade do teu cota, como hás-de aprender. Deixei a tua mãe dar entrada no processo e fui estacionar o carro; quando regressei, ela já estava com aquela linda bata azul do hospital e a trouxa na mão.

Entretanto esteve fazendo CTG durante um bom bocado. Às 10h10 chamaram-lhe para entrar para o bloco, e até aí tudo parecia ir de vento em popa para nasceres durante essa manhã, mas infelizmente foi sol de pouca dura. Informaram-nos que havia pouco pessoal de plantão para muitas parideiras aparecendo por lá em trabalhos, e assim sendo a tua mãe ia ter que esperar que as coisas acalmassem, visto que não era uma situação de emergência.

Essa espera durou cerca de doze horas, a somar às outras doze em que a tua mãe estava de jejum. Valoriza-a, muito e sempre, porque muita fominha ela passou para vires ao mundo!

Felizmente, essa espera angustiante e o facto de não ter sido possível eu assistir ao parto foram os únicos ponto negativos do dia. Há que elogiar quando necessário, e este foi mais um parto impecável.

Depois de palmilhar quilómetros de um lado para o outro em frente ao bloco, finalmente, às 20h55, disseram-me que tinhas nascido, às 20h12, com 3220g. A médica, Drª Blandina, brasileira como o papai, veio me dizer que “ele é muito lindo, já fez xixi, já fez cocô, tá tudo funcionando!”.

E és, e fazes, e funcionas plenamente. Por enquanto por si só ainda não dás tanto trabalho quanto esperávamos, mas juntando ao que mana dá, é dureza, sim. Mas não há nada que pague a vossa presença nas nossas vidas.

 

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Paternidade

Vou contar-te como foi

Já não estás no futuro, filha. A tua era começou ontem. Vou contar-te como foi.

Começou por volta das 2 da manhã. Para mim, porque a tua mãe já sentia algumas dores antes, mas esperou ter a certeza para me acordar. (Acordar-me é duro. Ouvi dizer que vens mudar isso).

Às 2h32 chegamos no Hospital Garcia da Orta. Não sei como há pessoas que continuam a não gostar de emigrantes no teu país, filha. Por essa altura na obstetrícia esperando as mulheres estavam eu, outro brasileiro e um indiano. Sem contar que a médica era de leste. Adiante.

Enquanto a tua mãe esteve lá dentro sendo observada, ligada ao CTG e etc, o teu pai foi esperando, vendo mais setecentas vezes o painel mosaico sobre a estadia do Garcia da Orta na Índia que está na parede do Hospital, lendo mais oitocentas vezes as mensagens que os novos pais vão rabiscando nos quadros da sala de espera… esperar-te custa, filha! Tem isso em conta futuramente, quando te maquilhares, fores às compras, passeares com as amigas…

Mas esta espera em particular compensou. Quando ela voltou, às 04h20, já veio toda equipada, de bata do Garcia e trouxa na mão para ser internada. Íamos ficar. Ias sair! Fez o aquecimento, benzeu-se e entrou e campo às 04h40. Outra longa espera até ser chamado para fazer parte da jogada também, o que só aconteceu às 06h12.

Gostei do que vi quando lá entrei, na cama 4 do bloco de partos. A tua mãe estava toda feliz da vida, porque tinha logo levado a epidural, e não sentia dores. O ambiente também me parecia bom, muito calminho, tudo na paz. Toda a gente era extremamente simpática e prestável, apesar de as pessoas que lá estavam nessa altura não serem as mesmas da hora H, porque a troca de turno é às 08h00.

A partir das 7 o panorama foi se alterando. A moca da tua mãe foi passando, as dores de volta, a dilatação não evoluía, e às 07h30 vieram da sala ao lado os gritos mais aterrorizantes que já ouvi na vida. Gelamos. Como a coisa não andava por aí além, às 8 achamos por bem eu ir comer para aguentar o baque. Quando voltei é que começou verdadeiramente a ação.

Ocorreu a tal troca de turno, e a enfermeira responsável pelo teu nascimento apresentou-se, a enfermeira Isabel. Faço um parêntesis, ou melhor, uma vénia, para falar dela e das médicas que estiveram connosco. Absolutamente impecáveis, nada a assinalar senão a simpatia, a paciência e o profissionalismo. Ficamos muito felizes nesse aspeto. Como a coisa não andava muito, às 10 para as 9 a enfermeira meteu a tua mãe a levar Ocitocina, para regularizar as contracções e ver se evoluía. Ela levou outra droga qualquer para as dores também, visto que a epidural já era.

Às 09h20, tudo na mesma, e chega uma das médicas que viria a acompanhar o parto, a Drª Fátima Romão (é a única de quem consegui decorar o sobrenome), analisa a “área” e diz: “só 10 mg de Ocitocina? Carrega 40, vamos embora, estamos aqui para isso”! Gostei da atitude. A partir daí as contracções estabilizaram e vieram mesmo com força. Houve muita dor filha, muita dor! Respeita a tua mãe, porque ela sofreu bastante por ti.

Ainda assim, a dilatação continuava na mesma, os mesmos 4 dedos durante aquele tempo todo. Tudo fazia crer que o dia fosse bastante longo, sendo que a enfermeira até disse que gostava de te ver, mas que saía às 16.

E de repente, tudo mudou. Ouvindo a tua mãe gritar de dor, ela veio espreitar a situação. E deu-lhe toda a razão do mundo. Às 10h03, apenas meia hora depois da última espreitadela, a tua mãe passou dos 4 dedos de dilatação para os 9! As águas ainda não tinham rebentado, portanto, a própria enfermeira tratou de rebentá-las (esta parte não doeu nada). Et voilá, dilatação completa. Completamente a postos para expulsar-te.

E se antes tinha havido dor, filha, aqui houve mais ainda. Primeiro, levantaram as costas da maca para ela fazer força sentada, até tu te meteres a jeito, e depois deitaram-na novamente, para fazer força para saíres lá de dentro. Força essa que é não toda a força que a tua mãe tem, mas toda a força do mundo, e que ainda precisou da ajudinha de uma ventosa para te puxar, puxão esse dado pela Drª Cláudia, que foi quem te meteu cá fora.

Às 11h52 foi a catarse. Chorei como nunca chorei na vida, quando comecei a ver a tua cabeça, e todo o teu corpinho de 50cm e 3.270kg escorregando em seguida. Cortei o cordão, e puseram-te no peito da mãe pela primeira vez.

É a coisa mais linda, mais espetacular, mais emocionante que pode haver. Sobre tudo o resto, não minto. É feio por demais. Placenta, membranas, sangue… cenas. Cenário de guerra. Mamãe sendo cozida por mais de uma hora. Enfim, não importa.

Valeu tudo a pena, filha. Vales tudo.

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