Categoria: Sonoridades

  • Música Que Salva Vidas

    Não sou amigo do Gonçalo Bilé, mas conheço-o dos tempos da escola básica. Foi com alguma surpresa que percebi que este gajo que andava a fazer sucesso nas rádios era ele (não por duvidar do seu talento, mas por desconhecer essa faceta).

    Indo direto ao assunto e ao título do post, além da música dele ser boa, um pequeno grande fator leva-me a promovê-lo: o Gonçalo salvou-me a vida.

    Não sei se ele se recorda disto, mas o ano era 2004, eu era mais jovem e estúpido, e estava bandeira vermelha nas praias da Costa da Caparica. Eu e mais três amigos, chamemos-lhe “Penas” (tínhamos ambos muito mais cabelo), “Mataloto” e “Sactus”, ignoramos por completo a agitação do mar, e seguimos a nadar intrepidamente… atrás de um peixe (!), a tentar agarrá-lo. O Sactus ainda se apercebeu da burrice e conseguiu voltar para trás a meio, mas quando eu e os outros dois olhamos para trás, parecia que estávamos quase no Brasil, e sem capacidade nenhuma de conseguir nadar de volta, contra a maré.

    Nunca senti tanto medo na minha vida. Penso que eu era mesmo o mais borrado dos três (borrado da cabeça aos pés?), porque na altura era o que nadava pior, mas conseguimos não entrar em pânico, e passado uns minutos, fomos resgatados por surfistas. E eu vim na prancha do Gonçalo, pelo que lhe sou eternamente grato.

    Portanto, meninos e meninas, respeitem o mar e os salva-vidas. E ouçam a música do Gonçalo Bilé.

  • Lemmy

    Uma das grandes vantagens deste documentário é não ser uma homenagem póstuma. Foi filmado com a lenda ainda viva, e são basicamente cerca de duas horas a ser a sua sombra, a seguir os seus passos e a absorver a aura de misticismo que o envolve.

    A primeira meia-hora do filme chega a ser algo entediante, consistindo basicamente na recolha de depoimentos de diversos rockers da nova e velha guarda que vão declamando o quanto o veneram, o quanto foram influenciados e o modo como davam o cú e oito tostões para ser como ele. A seguir de lambidelas várias, a coisa melhora bastante.

    Enquadramento histórico do seu percurso desde os Rockin’Vickers em Inglaterra até aos Motorhead, diversas histórias de palco e de backstage, desmistificação de outras tantas (corrige que não comeu mais de duas mil mulheres, foram só mil) e testemunho dos seus hábitos de vida demolidores, que levam a crer que com 66 anos já deve alguns à cova.

    O badass que ao ser expulso dos Hawkind comeu as mulheres de três dos colegas de banda, que colecciona memorabilia de guerra e que quando o filho único fez 17 anos proibiu-o de consumir cocaína (aconselhou-o a tomar speed, que era bem melhor), é ao mesmo tempo um gajo simples e cativante, um purista que vive verdadeiramente para o que faz, que nunca se furta a um pedido de um fã e que vive no mesmo cortiço desde que veio para Los Angeles, aproveitando o facto de a renda não poder subir mais de 6% ao ano.

    Para sintetizar, nada melhor que esta citação do Dave Grohl:

    Fuck Keith Richards, fuck all those dudes who survived the sixties. Flying around in private jets, living up their gunslinger reputation as they fuck supermodels in the most expensive hotel in Paris. It’s like: you know what Lemmy is doing? Lemmy is… probably drinking Jack’N’Cokes and writing another record!

    Fica para ver, admirar… e headbangar.

  • Palavra (En)cantada

    Acabou de passar na RTP2 Palavra (En)cantada, um documentário musical que faz uma pequena retrospectiva histórica da música brasileira, utilizando depoimentos e antigas gravações de alguns dos grandes nomes que a compõem (como Chico, Caetano e Bethânia) e de outros menos conhecidos (Lirinha, Black Alien ou Ferréz, por exemplo).

    Essa retrospectiva difere das habituais no sentido de que não entra em homenagens ou bajulações aos monstros sagrados da MPB, nem despeja meras constatações e cronologias do que foi acontecendo na música brasileira ao longo dos tempos, optando simplesmente por utilizá-los como veículo para falar da música enquanto personagem principal e elemento de ligação e difusão da literatura, poesia e língua portuguesa.

    Ensina-nos bastantes curiosidades e deixa-nos a pensar em questões essenciais da nossa cultura e de como, mais uma vez, uma arte popular se substitui ao estado numa tarefa fundamental. De forma leve, prazerosa e muito recomendável.

  • Seu Jorge and Almaz

    Nem sei bem como encontrei este projecto paralelo (mais um) do Seu Jorge com Nação Zumbi; não me parece que venha sendo muito divulgado (por enquanto parece que é só pelos States), mas é valioso.

    Não conheço bem o trabalho dos Nação Zumbi, e aquilo que eu conheço já é anterior à morte do antigo vocalista Chico Science, portanto é uma situação a corrigir.

    Todas as músicas do álbum são versões de outros autores, com arranjos completamente diferentes. A escolha das canções não segue nenhum critério aparente, incluindo músicos como Jorge Ben, Martinho da Vila, Altemar Dutra Michael Jackson e até Kraftwerk!

    Tudo numa onda instrumental muito soft, o pessoal da Nação Zumbi criando um ambiente zen na guitarra, bateria e baixo (e uns pozinhos de berimbaus e afins pelo meio) e o Seu Jorge com aquele vozeirão soul dando nova alma às canções.

    A menos conseguida talvez seja “Cristina”, do eterno e (literalmente) grande Tim Maia, mas isso é só a minha opinião. Já a escolha da última música é um tiro certeiro, rematando o álbum com “Juízo Final”, de Nelson Cavaquinho, uma daquela músicas que arrebata pela simplicidade, como eu gosto.

    Isto ainda não tá suficientemente youtubado para eu poder demonstrar convenientemente, portanto aconselho que adquiram nos sítios do costume; de qualquer forma, vai aí um cheirinho em vídeo e em mp3, Everybody Loves the Sunshine e Cirandar, duas faixas cedidas gratuitamente pelos homens no site (a primeira até nem é das minhas preferidas, mas dá para sentir a onda).

    E isso tudo me deixou vontade de um dia destes escrever mais sobre o líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, temática recorrente na música e na cultura brasileira, e sobre Nelson Cavaquinho, grande e talvez esquecido compositor carioca. Fica pra pensar.

  • Alicia

    Estive até à última da hora na dúvida entre ver a Alicia Keys no Pavilhão Atlântico, a Silvia Machete no Santiago Alquimista, ou as duas. Por muito que me agradasse a última opção e que a Machete me tenha despertado curiosidade nas inúmeras entrevistas que andou a dar em Portugal na última semana, o meu tempo anda escasso e os bilhetes para a Alicia já estavam mais ou menos alinhavados. Lá fomos nós para a Expo, um dia destes a gente se encontra, Silvia.

    Tendo visto a Beyoncé exactamente no mesmo local há praticamente um ano atrás, é-me impossível não entrar em comparações entre as duas divas. E apesar da Beyoncé ser a grande estrela e ter também uma voz do caraças, a Alicia ganha quinjazero!

    Ganha quinjazero não só por ser mais cantora, quanto por não precisar de todo o espalhafato da compatriota, as inúmeras mudas de roupa, fogos e voos e o diabo a sete, além do próprio repertório ser muito mais forte. Arrisco a dizer que não houveram momentos fracos. Não sei onde estes blacks americanos vão buscar estas vozes, toda a crew dela e a rapariga que fez a abertura (Melanie Fiona) cantam que é uma coisa parva.

    Os pontos altos, na minha opinião, “Pray for Forgiveness” a derreter um gajo, “Un-thinkable”, “Another Way to Die” (mesmo sem o Jack White) e outra da qual já não me lembro o nome, mas com um teclado daqueles dos anos 80 que se tocam como se fossem guitarras com quase (quase!) tanta pinta como o José Cid.

    O único ponto que não me agradou por aí além foram os constantes apelos a não desistirmos dos nossos sonhos, a podermos fazer tudo o que quisermos, etc… admira-me não ter aparecido a foto do Obama no ecrã.

    Era bom que acertar no euromilhões fosse tão fácil quanto adivinhar que o concerto ia fechar com Empire State of Mind e que ela a determinada altura ia substituir “New York” por Lisbon. Aproveito a deixa para não contrariar a tendência de postar esta granda malha do Unas. Fica pra pensar.

  • Cota Gil

    Antes de mais: FÉRIAS!

    É bom ter tempo para ler as coisas com olhos de gente; quase que me ia passando despercebido no Público de ontem que o velho Gil Scott Heron está aí com um álbum novo, 16 anos depois.

    Do pouco que conheço do homem, muito gosto: é dos verdadeiros. Diz que foi ele um dos inspiradores do nascimento do hip-hop, mas não tenho grande conhecimento para falar sobre isso (e sempre achei que esse fosse um dos motivos para ele desaparecer, desiludido com toda a merda que anda por aí).

    Fica aí o clássico poema cantado “The Revolution Will Not Be Televised” (o vídeo não é dele) e uma música do tal novo álbum, cuja análise fica para quando efectivar a sua aquisição (o Manuel Machado não diria melhor).

  • Três Cantos

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    Acho que ainda gostei mais deste espectáculo do que estava à espera.

    Nunca tinha visto nenhum dos três ao vivo. Acho que tinha um certo medo. Sem grandes rodeios, medo da velhice deles. Mas é muito diferente ser do passado, e ser intemporal.

    As vozes são as mesmas e, principalmente, o gosto de ali estarem a cantar é o mesmo. O Zé Mário Branco disse que a única coisa que poderia dizer era: “estou tão contente”. E estava. Poucas pessoas se entregam a cantar com tanta emoção como este senhor: parece que o mundo vai acabar a qualquer momento.

    Sérgio Godinho igual a si mesmo, fresquíssimo, tremendamente à vontade a brincar com as palavras e com o momento, e a ser o primeiro a arrepiar com “O Primeiro Dia”.

    Não conhecendo bem as obras mais recentes do Fausto, fiquei contente de ver que ele mantém a língua afiada (sempre a contrastar com a suavidade da voz). Mas o que realmente me encheu as medidas foi ouvir “Como um sonho acordado”. A simplicidade destes versos assombra:

    “Meu amor quando eu morrer
    Ó linda
    Veste a mais garrida saia
    Se eu vou morrer no mar alto
    Ó linda
    Eu quero ver-te na praia
    Mas afasta-me essas vozes
    Linda

    Tens medo dos vivos
    E dos mortos decepados
    Pelos pés e pelas mãos
    E p’lo pescoço e pelos peitos
    Até ao fio do lombo
    Como te tremem as carnes
    Fernão Mendes”

    É bom relembrar o quão bela é a música e a língua portuguesa. Definitivamente, fez-se história neste encontro. Comprovem no CD ao vivo que será lançado.

  • Seu Jorge

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    Grande noite de sexta. É a primeira vez que vejo o homem ao vivo, e só posso recomendar a quem tiver a oportunidade de fazê-lo, que não a perca.

    O Jorge Mário é neste momento um dos artistas brasileiro em melhor forma. Ele agora viaja com uma banda de 14/15 elementos, o que o deixa ainda mais solto em palco. Soltíssimo, sempre.

    Começou muito calminho, os hits mais recentes América do Norte, Trabalhador Brasileiro, a banda e o público meio que estranhando, mas aos poucos foi aquecendo para duas horas e meia electrizantes.

    A determinado momento, Seu Jorge pergunta por um fã que tinha lhe “passado um e-mail pedindo um favor”, e pede-lhe que sobe ao palco. O objectivo do homem era pedir a amada em casamento, e foi cumprido, com direito a champanhe e tudo. Moral.

    A partir daí foi sempre em crescendo, começando com Seu Jorge sozinho na guitarra esgalhando aquelas belas versões do David Bowie (acho que desta vez foi Live on Mars e Rebel, não houve a minha preferida sufragette city), e passando pelos momentos que mais gostei: o clássico de Leci Brandão, Zé do Caroço, e a libertadora adaptação do Chatterton do Gainsbourg (PUTA QUE PAAAARIUUUUUUU!). Relembrar Carlinhos Brown com “a namorada” também foi bonito.

    Ficou provado que os melhores momentos são sempre os mais simples. No caso de Seu Jorge, o simples já é de si complexo, com aquela música retalhada de samba, bossa nova e soul.

    Houve direito a um momento especial de três elementos da banda, o “trio preto”, brincando com três pandeiros. Muito banal, mas o suficiente para deixar os tugas malucos.

    Aos apelos para que não abandonasse o palco, Seu Jorge respondeu com um inusitado carnaval de outono: um mix de todas as músicas bregas de carnaval: mamãe eu quero, maria sapatão, etc. Os tugas enlouqueceram, uma vez mais. Venham outras.

  • PESTE & SIDA “Sol da Caparica, na minha bicla”

    Muito bom. Só faltou explicarem que não é a toda a hora que se pode ir de bicla no barquinho, nem que há limites de lotação de biclas que não chegam nem para levar uma família.

  • Fados

    Já tinha esta bonita obra de Carlos Saura aqui em casa em lista de espera há algum tempo, comprada em promoção. Recomendo-a a todos, tanto os fãs quanto os cépticos, para desconstruírem ideias pré-concebidas que eventualmente tenham sobre a maior forma de expressão musical portuguesa.

    Apesar de catalogado como um documentário, “Fados” não se encaixa completamente nessa definição; é mais como um retrato, uma história onde o fado é cantado, coreografado, celebrado e sofrido na sua plenitude. É uma sucessão de fados cantados pelos mais diversos artistas, e demonstra as várias dimensões que o fado pode assumir (até a do hip-hop, se bem que esse momento é um tanto desnecessário, apesar da excelente expressão corporal do NBC).

    Belos momentos na surpreendente versão de “Foi na Travessa da Palha” da mexicana (!) Lila Downs, na “Estranha Forma de vida” encarnada por Caetano, e a sempre poderosa presença da Cau-Berdiana Lura. O Camané e o Carlos do Carmo são sempre o Camané e o Carlos do Carmo, a Argentina Santos impressiona pela alma que emprega, o Chico Buarque mesmo em meia-canja me emociona sempre, e já a Mariza não me encantou tanto, apesar do dueto emotivo com Miguel Poveda . Enfim, vejam masé!

    Uma horinha e tal que passa num instante.