Etiqueta: chico buarque

  • Que tal um samba

    Se tivesse que me apaixonar por um homem, seria por ele. Essa foi uma das muitas coisas que escrevi aqui ao longo dos anos sobre o grande mestre Chico, mas no meio de tantas obras que vi, ouvi e li, a verdade é que nunca tinha visto o homem ao vivo.

    E do alto dos seus 78 anos, ele é uma divindade. Está impecável, firme, lúcido, e só isso já seria de valor constatar.

    Não trazendo aqui um espectáculo exuberante, oferece um bom conjunto de músicas da sua imensa obra – tantas faltaram, e tantas sempre faltarão – cantadas e tocadas de forma crua, em cuja poesia é impossível deixar de me emocionar, tanto mais quanto me proporciona sentir comigo a companhia de quem já não está – meu pai – e de dar a conhecer na voz de outros um pouco de mim a quem estava a meu lado – minha filha.

    Vale também pela Monica Salmaso, que o acompanha e que dá voz solo a vários clássicos neste show, com uma voz incrível, de beleza e de alcance que dá a impressão mesmo sem microfone chegaria ao Campo Pequeno inteiro.

    Campo Pequeno esse que nunca é o melhor local a nível sonoro, mas que se transformou aquando da apoteose final com Tanto Mar, tanto mar. Cliché tremendo, mas impossível terminar sem: foi bonita a festa pá.

  • Essa Gente

    Se o livro anterior (O Irmão Alemão) já me tinha deixado sentimentos mistos, este novo romance do Chico Buarque não me convenceu mesmo, de todo.

    Anunciado pela editora como “uma tragicomédia urgente que encara de frente o Brasil de agora”, acho que peca precisamente pela forma forçada como vai tentando chamar a atenção para os problemas do Rio de hoje (intolerância, extremismo, desigualdade, etc.); pela inteligência e pela mestria nas palavras que ele tem, esperava uma sátira mais mordaz mas menos denunciada.

    É uma leitura fácil e até cativante, tem umas trocas interessantes de narrador e umas misturas entre discurso directo e delírio, mas esperava um toque de génio que me deslumbrasse mais.

  • Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 minutos

    tomdcbe90m

    Tinha muita curiosidade em assistir a este espectáculo, pois assim que li o título achei que resumir todos os musicais do Chico Buarque seria um desafio extremamente difícil, e que tinha tudo para dar errado.

    Não deu, mas também não deu propriamente certo. Para começar, ao contrário do que o título indica, não está presente nenhum dos musicais, mas sim algumas das suas músicas, o que é bem diferente. E no fundo é disso que se trata, de um desfilar de músicas, quase um concerto de homenagem. Há uma tentativa de ter uma história como pano de fundo, mas tão dispersa que não chega a ser um verdadeiro fio condutor.

    O elenco atenua um pouco a desilusão, sendo todos bons cantores e empregando excelentes interpretações em quase todas as canções, mas depois de ver a forma arrebatadora como a Izabela Bicalho se entregou a “Gota de Água” há uns anos, fica difícil se emocionar com menos.

    O espectáculo tem o mérito de ter escolhas arriscadas, com algumas canções menos conhecidas (Mambembe, Você vai me seguir, Funeral de um lavrador) e interpretações inesperadas (“O meu amor” cantado por dois homens, por exemplo), mas depois acaba por ser demasiado ambicioso e esticar a corda a nível temporal, com prolongamento e penáltis a somar aos tais 90 minutos, tornando-se muito desgastante.

    Nesse aspecto do desgaste, a arena do Campo Pequeno acaba por ajudar, com cadeiras miseráveis na improvisada plateia e um frio de rachar durante todo o tempo. Mandrake Produções, agradeço e peço que tragam mais musicais, por favor, mas encaixem-nos em teatros a sério, que merecem.

  • O Irmão Alemão

    irmaoalemao

    Tenho sentimentos mistos acerca deste livro. Por um lado, foi a obra do Chico Buarque que menos gostei de ler; por outro, nota-se que teve imenso prazer ao escrevê-la, e identifico-me bastante com esse egoísmo de escrever para si próprio.

    Chico Buarque teve, “na vida real”, um irmão bastardo, fruto de uma breve temporada do seu pai na Alemanha, antes da Segunda Guerra. Essa descoberta preencheu o seu imaginário durante bastante tempo, e este livro mistura a busca real pela seu paradeiro com as diversas fantasias que congeminou para a sua história.

    Apesar da toada obsessiva do narrador ser capaz de prender de forma eficaz a nossa atenção, há muitas partes que se estendem de forma aparentemente atabalhoada e forçada, sem os rasgos de génio que caracterizam a sua escrita e tão bem presentes estiveram no seu livro anterior.

    Dou de barato que tudo isto soe diferente para ele, que viveu ou sonhou o que ali está relatado, e que nesse sentido esta obra seja importante no contexto do seu crescimento enquanto escritor.

    Nota final e de louvar para referir que este é o primeiro lançamento direto em Portugal da editora brasileira Companhia das Letras. Aguardemos os próximos.

  • Estorvo

    Continuando o meu roteiro literário inverso do Chico Buarque, li esta semana aquele que foi o seu primeiro romance, Estorvo.

    Me prendeu mais que Benjamim e me entusiasmou menos que Leite Derramado. O protagonista, que não tem nome, nem bem vive nem morre, vagueia. Vagueia perdido, obsessivo não se sabe bem com o quê e contemplando a hipocrisia e a decadência da sociedade em que vive, da irmã e da mãe que o sustentam, da ex-mulher, dos ex-amigos, do ex-apartamento, enfim, tudo em sua história falhou ou foi perdido. Esse homem é o estorvo do mundo em que vive.

    Resumido assim parece uma história deprimente de um vagabundo fracassado qualquer, mas o tom que é empregue à escrita além de pesado, é contraditório, conseguindo ser ao mesmo tempo desesperado e apático, além de dar a algumas das estórias que o compõem contornos de romance policial. Uma história estranha e atribulada, contada duma maneira completamente desprendida.

    Sendo o segundo melhor que o primeiro e pior que o último (pelo meio ainda há Budapeste, que já li mas ainda não blogava), não é uma evolução linear, e nem o deveria ser; são uns altos e baixos de um escritor, não de um músico que decidiu se aventurar pela escrita: Chico Buarque é um escritor que, para mim, já conquistou o pleno direito de figurar entre os melhores da literatura brasileira.

    Aguardo com expectativa a próxima obra.

    Continuando o meu roteiro literário inverso do Chico Buarque, li esta semana aquele que foi o seu primeiro romance, Estorvo.

    Me prendeu mais que Benjamim e me entusiasmou menos que Leite Derramado. O protagonista, que não tem nome, nem bem vive nem morre, vagueia. Vagueia perdido, obsessivo não se sabe bem com o quê e contemplando a hipocrisia e a decadência da sociedade em que vive, da irmã e da mãe que o sustentam, da ex-mulher, dos ex-amigos, do ex-apartamento, enfim, tudo em sua história falhou ou foi perdido. Esse homem é o estorvo do mundo em que vive.

    Resumido assim parece uma história deprimente de um vagabundo fracassado qualquer, mas o tom que é empregue à escrita além de pesado, é contraditório, conseguindo ser ao mesmo tempo desesperado e apático, além de dar a algumas das estórias que o compõem contornos de romance policial. Uma história estranha e atribulada, contada duma maneira completamente desprendida.

    Sendo o segundo melhor que o primeiro e pior que o último (pelo meio ainda há Budapeste, que já li mas ainda não blogava), não é uma evolução linear, e nem o deveria ser; são uns altos e baixos de um escritor, não de um músico que decidiu se aventurar pela escrita: Chico Buarque é um escritor que, para mim, já conquistou o pleno direito de figurar entre os melhores da literatura brasileira.

    Aguardo com expectativa a próxima obra.

  • Benjamim

    Este, que foi o segundo livro escrito por Chico Buarque, não me entusiasmou particularmente. Estou fazendo o roteiro das produções literárias do Chico Buarque ao contrário, e dá para notar que enquanto escritor ele foi efectivamente evoluindo ao longo do tempo (como em Leite Derramado, de que já falei aqui).

    Benjamim Zambraia é um ex-modelo fotográfico que vive obcecado com o passado e com a enigmática morte da mulher da sua vida, que entretanto se materializa numa jovem que conhece ao acaso, e que em tudo lhe lembra a outra. A história é narrada tanto sob a perspectiva de Benjamim quanto de uma câmera invisível que o personagem utiliza desde a adolescência, e da qual já não consegue distinguir o que é seu e o que é gravado, o que é passado e o que é presente.

    Não chego a me fascinar com a história nem me compadecer da angústia de nenhum dos personagens principais do livro. É no entanto, bastante original e muito bem escrito, e consegue nos agarrar à leitura por aí,  ficando na retina parágrafos como este:

    A contragosto, Ali saiu da padaria e foi conduzido pelo primo até uma rua escura, transversal. “Olha as putas”, disse o primo, olhando aquelas mulheres que fumavam, cada qual dona de um poste. Gargalhou até ver sua mãe, apoiada no terceiro poste da calçada esquerda, de piteira. Ainda tentou recusá-la, porque aquele vestido de lantejoulas não era dela, nem ele nunca vira sua mãe fumando, mas o primo olhava para ele e para a mãe ao mesmo tempo, e ria de um modo tão forçado, que a Ali só restou cerrar os punhos e partir para cima dele e chutá-lo e xingá-lo de veado. O primo não sentiu a violência das porradas, muito menos do insulto;  entortou uma perna sobre a outra, espetou o queixo com o indicador, depois armou um biquinho que condensou o seu buço, fazendo com que ele parecesse uma mocinha de bigodes negros. O primo gostou do insulto porque era veado mesmo, conforme Ali ficou sabendo tempos depois. Ali tinha então cinco anos e não sabia muito bem o que significava ser veado. Tampouco sabia o que fazia de errado uma puta, fora fumar no poste. Mas já tinha a certeza de que, no mundo inteiro, pior que veado, maconheiro, dedo-duro e tudo o mais, a pior situação na vida é ser um filho-da-puta.

    Fica a curiosidade para assistir ao filme homónimo, que proporcionou a estreia da Cléo Pires como actriz, e logo num enredo pesadíssimo destes, com violação pelo meio e tudo o mais. Até é de esperar que, dada a narrativa, a coisa funcione melhor em ecrã. Fica pra pensar.

  • Leite Derramado

    Sou suspeito para falar de uma obra do Chico Buarque: costumo dizer que se tivesse que me apaixonar por um homem, seria por ele. Ainda assim, tento fazer um esforço para manter a devida distância.

    Leite Derramado é um romance leve, simples, e que se lê num piscar de olhos. O narrador e falso protagonista é Eulálio Montenegro d’Assumpção, um centenário e caquético velhote que vai desfiando as suas memórias no leito de morte.

    Basicamente, é a história de uma aristocracia (ou de um país) que se vai desmoronando ao longo dos tempos, e dos cacos que foram sobrando pelo caminho.

    O ambiente do livro é ensombrado pela tristeza, mas uma tristeza imaginativa e mirabolante, que constantemente nos diverte e delicia. Volta e meia encontramo-nos perdidos nos labirintos da memória de Eulálio, em meio a peripécias baralhadas e desconexas. Às tantas já não sabemos (nem o próprio) de que Eulálio ou Eulalinho da família se fala, a quem se está dirigindo a narração, se o tom é coloquial ou ordinário, e nem tampouco conseguimos discernir os sentimentos que se pretendem expressar (ciúmes ou vergonha, ódio ou desprezo, e por aí vai).

    Com tamanha obra e génio musical, Chico há-de sofrer sempre o preconceito de ser visto como um músico que escreve. É natural e justificado: foi ele próprio que colocou a fasquia demasiado elevada, e essa fasquia ainda está longe de ser atingida. Ainda assim, a sua marca na literatura brasileira já está presente, inquestionavelmente (até já estava com as suas letras, mas isso são outros quinhentos).

  • E mais Gota d’Água

    Ainda não me saiu da cabeça.

    Salientando mais uma vez a interpretação e a goela da Izabella, principalmente a partir dos 2 minutos até ao final:

    Estrondosa. Entranha na alma.

    Já lhe dei meu corpo
    Minha alegria
    Já estanquei meu sangue
    Quando fervia
    Olha a voz que me resta
    Olha a veia que salta
    Olha a gota que falta
    Pro desfecho da festa
    Por favor…

  • Gota d’Água

    Extraordinário, maravilhoso.

    Diferente da Ópera do Malandro: mais forte, mais pesado, a carga emocional que a música emprega é mais intensa, não fosse ele baseado numa tragédia grega (Medeia, de Eurípides).

    Ainda estou pensando como é que a Izabella Bicalho, daquele tamaninho, consegue ter um vozeirão daqueles.

    Não que restassem dúvidas: Chico Buarque é o maior génio musical que existe.

    Quando o meu bem querer me vir
    Estou certa que há de vir atrás
    Há de me seguir por todos
    Todos, todos, todos os umbrais

    E quando o seu bem querer mentir
    Que não vai haver adeus jamais
    Há de responder com juras
    Juras, juras, juras imorais

    E quando o meu bem querer sentir
    Que o amor é coisa tão fugaz
    Há de me abraçar com a garra
    A garra, a garra, a garra dos mortais

    E quando o seu bem querer pedir
    Pra você ficar um pouco mais
    Há que me afagar com a calma
    A calma, a calma, a calma dos casais

    E quando o meu bem querer ouvir
    O meu coração bater demais
    Há de me rasgar com a fúria
    A fúria, a fúria, a fúria assim dos animais

    E quando o seu bem querer dormir
    Tome conta que ele sonhe em paz
    Como alguém que lhe apagasse a luz
    Vedasse a porta e abrisse o gás

  • Gota d’Água

    Tudo o que existir para ouvir, ler ou assistir e que esteja directa ou indirectamente relacionado com o Chico Buarque, eu devoro.

    No dia 9 de Maio lá estarei no CCB; se tiver metade da qualidade da Ópera do Malandro, que teve cá em Lisboa há três anos, já sairei de lá cantando e rindo.

    A música que dá o título (ou a música que o título deu):