Sonoridades

Slow J @ Altice Arena

A primeira vez que ouvi falar do Slow J foi em 2016, numa conversa do Carlão com o Rui Unas no Maluco beleza (minuto 11:13) – das coisas que mais interessantes que ouvi nos últimos tempos e acho que vai dar cartas. Na altura, ele ainda só tinha o primeiro álbum (Free Food Tape), que achei interessante, mas pouco depois apareceu o The Art of Slowing Down, e aí sim fiquei completamente rendido e dei toda a razão do mundo ao Carlão.

Não parei de acompanhá-lo desde então, e continuei a achar que poucas coisas há em Portugal que se equiparam, em talento e criatividade, mas ainda assim não estava preparado para o impacto que este concerto no Altice Arena teve. Tive uma semana para digerir e continuo com a mesma sensação com que saí de lá – foi o melhor concerto onde já estive.

Obviamente, “o melhor” do que quer que seja é altamente subjectivo, mas a forma como ele superou todas as minha expectativas (e não eram baixas) foi incrível. A produção não ficava atrás de nenhum artista milionário de outros mercados – os efeitos de luzes, as projeções no palco, a própria forma como os elementos da banda estavam posicionados e como se jogava com isso ao som do ritmo e do que ia acontecendo, era todo um espetáculo à parte, mas ao mesmo tempo sem distrair e mantendo a coisa simples e intimista.

Depois, a presença. É um gajo que se transforma e enche verdadeiramente o palco. O vozeirão, e a forma como alterna entre a catarse e a transmissão de uma vibe zen, paz de espírito e calma, e depois agarra no público e atira para o alto outra vez. Com uma banda incrível (e instrumentos pouco “convencionais) e, cereja no topo do bolo, presenteando-nos não só com foco no último álbum (Afro Fado), mas com quase 30 músicas e vários convidados.

Difícil eleger o melhor momento, mas os duetos – Nascidos e Criados com a Teresa Salgueiro, e as palavras que ela lhe dedicou no fim, e 3,14 com o Gson a fechar (Sam the Kid, onde andava tu?), foram muito, muito impactantes.

Ele vai ser para sempre.

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Sonoridades

Que tal um samba

Se tivesse que me apaixonar por um homem, seria por ele. Essa foi uma das muitas coisas que escrevi aqui ao longo dos anos sobre o grande mestre Chico, mas no meio de tantas obras que vi, ouvi e li, a verdade é que nunca tinha visto o homem ao vivo.

E do alto dos seus 78 anos, ele é uma divindade. Está impecável, firme, lúcido, e só isso já seria de valor constatar.

Não trazendo aqui um espectáculo exuberante, oferece um bom conjunto de músicas da sua imensa obra – tantas faltaram, e tantas sempre faltarão – cantadas e tocadas de forma crua, em cuja poesia é impossível deixar de me emocionar, tanto mais quanto me proporciona sentir comigo a companhia de quem já não está – meu pai – e de dar a conhecer na voz de outros um pouco de mim a quem estava a meu lado – minha filha.

Vale também pela Monica Salmaso, que o acompanha e que dá voz solo a vários clássicos neste show, com uma voz incrível, de beleza e de alcance que dá a impressão mesmo sem microfone chegaria ao Campo Pequeno inteiro.

Campo Pequeno esse que nunca é o melhor local a nível sonoro, mas que se transformou aquando da apoteose final com Tanto Mar, tanto mar. Cliché tremendo, mas impossível terminar sem: foi bonita a festa pá.

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Sonoridades

Bárbara Tinoco – Coliseu de Lisboa

Entre as várias questões que me afligem e em que sofro por antecipação desde que sou pai, sempre esteve no topo: e quando eles quiserem que eu os leve a concertos? E se fossem umas sofríveis boys band desta vida? Iria eu aguentar hora e meia de um David Carreira? Nada contra mas… nada a favor também!

Felizmente, a primeira experiência não só não foi de cortar os pulsos, como também foi surpreendentemente boa. A minha filha (8 anos à data) adora a Bárbara Tinoco, e ficou numa expectativa gigante no intervalo entre a compra dos bilhetes e o concerto em si, no fim de semana passado.

O pouco que conhecia era um refrão ou outro das mais cantadas na rádio (que já nem consumo muito, porque não ando diariamente de carro) ou pela Carol, pela casa afora, e não era propriamente fã, à primeira vista. Obviamente não fiquei tanto quanto a Carol, que sabe as letras de trás para a frente, mas a miúda tem verdadeiramente muito talento, quer como compositora quanto cantora, e com a pouca experiência que tem consegue dar uns concertos tocantes, intimistas, e sem grandes subterfúgios ou produções que não a honestidade da música.

Que a minha filha continue com bom gosto!

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Pátria que me acolheu, Sonoridades

Chullage

chullage

O Chullage é o meu rapper português de eleição. Não sei se por ignorância minha em relação “à cena” ou não, mas considero que nem preciso de todos os dedos das mãos para contar rappers portugueses de qualidade, e este é o que gosto mais.

Esta entrevista com ele já tem mais de um ano, mas entre aviões, comboios e autocarros estou numa de recuperar terreno em filmes, livros e outros que tais, e identifiquei-me particularmente com o que ele diz nesta conversa. Os pontos onde me revi são estes:

Mediocridade dos mídia (4m45s): melhor definição que vi nos últimos tempos, jornalismo de microondas. Parte do problema, quando devia ser parte da solução.

Pirataria (7m45s): Vindo de um gajo que não está nem de perto nem de longe próximo dos tops, é de valor. Defende o ponto de vista do sofrimento do artista, mas admite a mudança de paradigma da indústria e desmarca-se de agarrar-se à mama como muitos artistas consagrados.

Voto (11m15s): A desilusão completa com o sistema político/económico vigente, a falta de sentido no acto do voto, e a ironia do voto ser no fundo a derradeira desresponsabilização da nossa parte. Acrescento a isto a desilusão com a população votante, que não só elege sempre os mesmos, como os elege por serem eles não mais que o espelho da população em geral, infelizmente.

A relação amor-ódio dos Portugueses com a emigração (17m34s) e a questão racial (23m19s): não sou preto nem cresci no Asilo, mas ter sotaque, família e amigos diferentes também marcou e muito a minha infância e adolescência (e felizmente, para o bem, a pessoa que sou hoje).

Materialismo (37m30s): “Hoje em dia interessa-me muito mais dar amor ao meu filho do que um par de ténis.”, e esta diz tudo.

Finalmente, e de forma menos óbvia, uma coisa que me agrada nesta postura é a forma despretensiosa com que discursa e mostra inteligência sobre assuntos interessantes. Digo isto porque acho que cada vez mais, e de forma demasiado evidente na minha geração, há uma preocupação excessiva em se fazer parecer culto, cool, indie ou o que quer que seja que fique bem no facebook, no instagram ou no raio que o parta.

Fica aqui um exemplo dessa inteligência, numa dissertação irónica sobre um dos defeitos nacionais de que falava acima.

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Rockabye Baby

Um bom pai deve tentar incutir algum gosto musical na sua filha.

Já tinha ouvido falar da coleção Rockabye Baby há algum tempo, mas só agora, por motivos óbvios, é que prestei a devida atenção ao assunto.

Ficam aqui, até agora, algumas das minhas preferidas. Filha, já ouviste Guns’n’roses e aparentemente gostaste!

Guns’N’Roses – Sweet Child O Mine

 

Metallica – Nothing Else Matters

 

Kanye West – Stronger (o estilo do urso da capa deste arrebenta)

Queen – Bohemian Raphsody

Red Hot Chili Peppers – Under the Bridge

Led Zeppellin – Stairway to Heaven

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MPB-3

No dia 8 deste mês morreu o Magro, um dos eternos integrantes do grupo vocal MPB-4.

Empobrecidos, no sábado seguinte cantaram pela primeira vez em público sem o amigo, no que Miltinho definiu “como um salto sem rede”, que abriu com a magnífica “Porto”, de Dori Caymmi.

Os meus quatro momentos preferidos do percurso dos MPB-4 são estes:

Roda-Viva, de (e com) Chico Buarque, uma das mais belas músicas já escritas em português. Tem a particularidade de ter sido escrita para a peça com o mesmo nome, que na altura teve o seu cenário destruído e seus atores espancados pelo CCC, apesar de nem ter nada a ver com comunismo.

Partido Alto, também de Chico Buarque e já reavivada por muitas outras vozes, mas que ganha derradeiro sentido na interpretação dos quatro magníficos.

A belíssima e simples Lua, de que me lembro sempre que está lua cheia, e que vai ser muito boa para cantar para a minha filha.

E De Frente pro Crime, de João Bosco, uma brilhante e animada narração de um assassinato e da indiferença que provoca nos que o presenciam.

Obrigado, Magro.

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Sonoridades

Música Que Salva Vidas

Não sou amigo do Gonçalo Bilé, mas conheço-o dos tempos da escola básica. Foi com alguma surpresa que percebi que este gajo que andava a fazer sucesso nas rádios era ele (não por duvidar do seu talento, mas por desconhecer essa faceta).

Indo direto ao assunto e ao título do post, além da música dele ser boa, um pequeno grande fator leva-me a promovê-lo: o Gonçalo salvou-me a vida.

Não sei se ele se recorda disto, mas o ano era 2004, eu era mais jovem e estúpido, e estava bandeira vermelha nas praias da Costa da Caparica. Eu e mais três amigos, chamemos-lhe “Penas” (tínhamos ambos muito mais cabelo), “Mataloto” e “Sactus”, ignoramos por completo a agitação do mar, e seguimos a nadar intrepidamente… atrás de um peixe (!), a tentar agarrá-lo. O Sactus ainda se apercebeu da burrice e conseguiu voltar para trás a meio, mas quando eu e os outros dois olhamos para trás, parecia que estávamos quase no Brasil, e sem capacidade nenhuma de conseguir nadar de volta, contra a maré.

Nunca senti tanto medo na minha vida. Penso que eu era mesmo o mais borrado dos três (borrado da cabeça aos pés?), porque na altura era o que nadava pior, mas conseguimos não entrar em pânico, e passado uns minutos, fomos resgatados por surfistas. E eu vim na prancha do Gonçalo, pelo que lhe sou eternamente grato.

Portanto, meninos e meninas, respeitem o mar e os salva-vidas. E ouçam a música do Gonçalo Bilé.

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Cinemadas, Sonoridades

Lemmy

Uma das grandes vantagens deste documentário é não ser uma homenagem póstuma. Foi filmado com a lenda ainda viva, e são basicamente cerca de duas horas a ser a sua sombra, a seguir os seus passos e a absorver a aura de misticismo que o envolve.

A primeira meia-hora do filme chega a ser algo entediante, consistindo basicamente na recolha de depoimentos de diversos rockers da nova e velha guarda que vão declamando o quanto o veneram, o quanto foram influenciados e o modo como davam o cú e oito tostões para ser como ele. A seguir de lambidelas várias, a coisa melhora bastante.

Enquadramento histórico do seu percurso desde os Rockin’Vickers em Inglaterra até aos Motorhead, diversas histórias de palco e de backstage, desmistificação de outras tantas (corrige que não comeu mais de duas mil mulheres, foram só mil) e testemunho dos seus hábitos de vida demolidores, que levam a crer que com 66 anos já deve alguns à cova.

O badass que ao ser expulso dos Hawkind comeu as mulheres de três dos colegas de banda, que colecciona memorabilia de guerra e que quando o filho único fez 17 anos proibiu-o de consumir cocaína (aconselhou-o a tomar speed, que era bem melhor), é ao mesmo tempo um gajo simples e cativante, um purista que vive verdadeiramente para o que faz, que nunca se furta a um pedido de um fã e que vive no mesmo cortiço desde que veio para Los Angeles, aproveitando o facto de a renda não poder subir mais de 6% ao ano.

Para sintetizar, nada melhor que esta citação do Dave Grohl:

Fuck Keith Richards, fuck all those dudes who survived the sixties. Flying around in private jets, living up their gunslinger reputation as they fuck supermodels in the most expensive hotel in Paris. It’s like: you know what Lemmy is doing? Lemmy is… probably drinking Jack’N’Cokes and writing another record!

Fica para ver, admirar… e headbangar.

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Palavra (En)cantada

Acabou de passar na RTP2 Palavra (En)cantada, um documentário musical que faz uma pequena retrospectiva histórica da música brasileira, utilizando depoimentos e antigas gravações de alguns dos grandes nomes que a compõem (como Chico, Caetano e Bethânia) e de outros menos conhecidos (Lirinha, Black Alien ou Ferréz, por exemplo).

Essa retrospectiva difere das habituais no sentido de que não entra em homenagens ou bajulações aos monstros sagrados da MPB, nem despeja meras constatações e cronologias do que foi acontecendo na música brasileira ao longo dos tempos, optando simplesmente por utilizá-los como veículo para falar da música enquanto personagem principal e elemento de ligação e difusão da literatura, poesia e língua portuguesa.

Ensina-nos bastantes curiosidades e deixa-nos a pensar em questões essenciais da nossa cultura e de como, mais uma vez, uma arte popular se substitui ao estado numa tarefa fundamental. De forma leve, prazerosa e muito recomendável.

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