Categoria: Cinemadas

  • S.F.W / Filhos do Carnaval

    Neste domingo apanhei por acaso um filme e uma mini-série na TV que, sendo fracos, possuem alguns pontos de interesse.

    O primeiro é uma tentativa de filme de culto de 1994, S.F.W (So Fucking What). É uma merda de filme. Eu gosto de chamar aos filmes de série B filmes de merda, e gosto de ver um bom filme de merda de vez em quando, quando são deliberadamente filmes de merda, descompromissados e pobres por natureza. Este é mesmo uma merda de filme, daqueles que tenta assumir uma importância e uma profundidade tais que não chega a lado nenhum.

    Durante 36 dias, cinco pessoas são mantidas como reféns por um grupo terrorista, numa loja de conveniência. A única exigência dos terroristas é que a situação fosse transmitida ao vivo pelas estações de televisão nacionais. Dois adolescentes Spab (Stephen Dorff, o vampiro mauzão do Blade) e Wendy (Reese Whiterspoon) são os únicos sobreviventes e, ao saírem em liberdade, são elevados ao estatuto de super-estrelas. A irreverência e a atitude do Spab são pouco mais que enervantes e a mensagem, a existir, não passa.

    Fora tudo o que se possa filosofar acerca de reality shows (bem antes do conceito alcançar popularidade internacional), o principal ponto de interesse é ser co-protagonizado por uma Reese Whiterspoon na candura dos seus 18 aninhos de idade, o que serve de ponto de partida para uma interessantíssima questão: ela era mais fofa como barely legal, ou agora como barely milf? Eu ainda não consegui chegar a nenhum consenso.

    Creep aparece na banda sonora, bem antes de sonharmos existir o facebook e um coro qualquer a cantá-la para um filme do David Fincher em honra do dito. O insonso do Tobey McGuire também entra durante cerca de 2 minutos, fazendo o papel de um adolescente drogado que é a melhor performance que já lhe vi na vida.

    A outra parte do domingo que já referi é uma mini-série da minha terra, Filhos do Carnaval, e está a ser transmitida na RTP2. Tecnicamente muito bem filmada e fotografada (a paisagem carioca ajuda muito), não me parece ter estrutura, profundidade nem sal. Se nos próximos episódios continuar assim fraquita é pena, porque gira à volta de uma história interessante, a de um ricaço dono de uma escola de samba e barão do jogo do bicho. E o que é o jogo do bicho, perguntam os tugas?

    O jogo do bicho é um centenário jogo de apostas ilegal muito popular no Brasil, mas principalmente no Rio de Janeiro; resumidamente, neste jogo existem 25 bichos, e a cada um é atribuído um número e 4 “dezenas” (por exemplo, ao Veado, é atribuído o nº24 e as dezenas 93,94,95,96). Podem-se fazer vários tipos de apostas com os números de cada bicho e há um sorteio semanal que dita o bicho premiado.

    Os “bicheiros”, os manda-chuvas do jogo, são em geral homens muitíssimo poderosos (aqueles que estão no topo da hierarquia, claro). Em cada esquina carioca há um ponto de jogo, cada vez que alguém sonha com um animal vai correndo apostar no dito, é impressionante. Sendo uma coisa tão intrínseca e tão enraizada na cultura carioca, penso que deveriam ser feitos esforços para legalizar o jogo, mas isso deve ser uma teia muito complicada de interesses, que nem vale a pena tentar perceber.

    Quanto à mini-série, esperar para ver como desenvolve.

  • Toy Story 3

    Esta é uma das grandes vantagens de ter sobrinhos e irmãos mais novos (e futuramente, putos): ir ver desenhos animados ao cinema sem qualquer tipo de pudor (que não teria anyway, mas enfim).

    Depois de ver este filme vim consultar a lista dos filmes realizados pela Pixar até ao momento, e não houve nenhum que eu não tenha gostado, sendo que a maior parte (incluindo este) adorei. É obra.

    Desta vez não vou fazer nenhuma review extensa, porque acho que a sintética e sentida feita pelo cineblog diz o essencial, mas é para mim uma alegria quando uma sequela chega à terceira parte a funcionar sem mácula.

    Ah, e continuo a não gostar de 3D, quando é que a moda acaba?

  • Taken

    Bom, eu ia começar por dizer que ontem à noite não tinha nada para fazer e fui ver um filme, mas não é verdade: ontem à noite estava desgastado e não me apetecia fazer nada; assim sendo, aproveitei e vi um dos milhentos filmes que estão aqui na lista de espera do meu clube de vídeo pessoal. Valeu a pena: este Taken é um filme de acção do caralho, sem grandes rodriguinhos nem pretensiosismo.

    Não é propriamente um papel em que imaginasse o Liam Neeson, mas assenta-lhe que nem uma luva. O homem é Bryan Mills, antigo agente do governo (nunca se revela bem ao certo o que fazia, nem interessa muito), divorciado, que se aposentou para passar mais tempo perto da sua filha de 17 anos.

    Os primeiros momentos do filme são passados na vivência do drama familiar, da angústia do pai que não acompanhou o crescimento da filha, o consequente afastamento entre os dois e tudo mais. Às tantas a sua filha decide viajar para Paris com a melhor amiga, e é aí que a porca torce o rabo: o apartamento onde elas estão é invadido por mafiosos albaneses que as raptam com o objectivo de fazerem tráfico sexual. O azar deles é que o cota estava com a filha ao telefone nesse preciso momento, e parte para França com o objectivo de encontrá-la e de eliminar todos os responsáveis.

    E a partir daí é um festival de acção pura, é ver o homem partir a boca a toda a gente a todo o instante, à moda de Charles Bronson ou Steven Seagal (eu ia dizer do Bourne do Matt Damon, mas esse menino não lhe chega aos calcanhares), e sempre com muita, muita classe.

    Logo de início ele apercebe-se que só tem cerca de 96 horas para encontrá-la, e utiliza de todos os meios para fazê-lo: é vê-lo a bater indiscriminadamente nos franceses e soviéticos que se atravessam pelo caminho, roubar carros, matar (nunca levando armas, tirando as dos que vai tombando), torturar e até maltratar famílias alheias. Há momentos à lá CSI que irritam-me sempre um bocado, mas tou-me a cagar.

    Sem nunca pretender ser demasiado profundo, todo o submundo do tráfico sexual percorrido chega a dar que pensar no que se passa aí pelo mundo afora. O que vale é que há gajos como o Liam Neeson que se for preciso deitam um país abaixo com as próprias mãos. Ou não.

    Sem desprimor para o realizador oficial Pierre Morel, o Luc Besson quando quer faz umas coisas bem jeitosas.

  • Alice

    Ora bem, lá fui eu ver uma das minhas histórias favoritas contada por um dos meus realizadores favoritos. Não desgostei, o filme é… giro, mas acho que isto não é propriamente um elogio dadas as expectativas que eu tinha.

    Visualmente, o filme é muito bom, mas isso era talvez o mínimo que se podia exigir, dado o gabarito do senhor nesse quesito em particular e o imaginário que tinha à sua disposição.

    O que é que eu queria mais? Já nem digo mais darkness, ainda que apreciasse, mas essencialmente mais loucura, mais irreverência da parte dos personagens, mais ousadia na abordagem à história, não há nada que surpreenda realmente. Dou o exemplo do Johny Depp: faz de Mad Hatter, mas pouca madness se vê, o gajo parece mais maníaco-depressivo que outra coisa. A única parte em que tenta extravasar com uma dança manhosa, falha completamente, pelo menos para maiores de 10 anos.

    O gato tá fixe, a rainha de copas também, os gémeos podiam ser melhor aproveitados e dos restantes nada a dizer.

    Quanto ao 3D, eu dispenso. Ou essa maravilhosa técnica  não está afinada para os meus míopes olhinhos, ou a propalada “experiência” que aquilo proporciona ainda é mesmo só para inglês ver: com muitos elementos no ecrã não se percebe a ponta dum corno do que se está a passar.

    Quem lê isto há-de pensar que odiei o filme ou assim, mas até gostei, o problema é mesmo esse “até”. Para desanuviar, deixo-vos este remix que algum maluco pôs no youtube. Fica pra fritar.

  • Sherlock Holmes

    Ora bem,

    É um facto que é coisa rara blogar alguma coisa ultimamente; outro facto é que é coisa rara eu me dedicar aos prazeres da cinefilia ultimamente. Juntando a sede à vontade de beber, mato dois cajados com uma coelhada só e junto o inútil ao agradável.

    O parágrafo anterior é coisa parva, e não tem ponta por onde se lhe pegue. Este filme que vi ontem até que nem é coisa muito parva, e pode eventualmente suscitar imensa ponta, mas assenta sob o mesmo princípio: o da adaptação livre.  Gosto de uma boa adaptação livre que se esteja a cagar para os puristas, e esta até nem é má.


    exemplo suscitador de ponta, à direita

    É uma adaptação divertida quanto baste, tem acção, comédia (nem sempre de bom gosto), gajas boas e gajos bons, estilo (ritchie) e uma bela banda sonora. É entretenimento bem feito, que também é coisa rara nos dias que correm. Ainda não é o tal do great comeback do Ritchie (que também não foi com RocknRolla,) mas cheira bem, não cheira a Madonna. Ficamos à espera.

    Não, não tenho vontade nenhuma de ver o Avatar.

  • Orfeu Negro, 1959

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    Orfeu Negro foi o único filme de língua portuguesa a ganhar um Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Digo de língua portuguesa, e não brasileiro, porque oficialmente foi considerado como sendo um filme francês, por causa do seu realizador, Marcel Camus, e de uma das suas produtoras. Assim o foi com a Palma de Ouro e com o Globo de Ouro; já o Bafta decidiu atribuir também o mérito a quem de direito.

    Pouco importa: é cinema brasileiro, e de uma era em que esse cinema dava cartas sem necessitar de disparar um único tiro ou proferir algum palavrão. Uma era em que a favela era só morro, e o Rio merecia plenamente o epíteto de Cidade Maravilhosa.

    É um filme que poderia ser visto de olhos fechados, tamanha a qualidade da banda-sonora do mestre Antônio Carlos Jobim e Luiz Bonfá (prelúdio da bossa nova que estava nascendo), e a intensidade do samba que rola praticamente constantemente ao longo das quase duas horas de filme. Mas o melhor mesmo é mantê-los bem abertos, e desfrutar da explosão de cor (ou eastmancolor) com que o Rio antigo e os seus habitantes são retratados.

    Penso até que o tal do Camus ficou demasiado vidrado pelo Rio e pelo samba e esqueceu que estava fazendo um filme, com tanta sequência de longos minutos em que só se vêem pernas frenéticas balançando e corpos suando de um lado para o outro. Compreensível e perdoável, provavelmente aconteceria a qualquer um.

    A história é uma adaptação (bastante) livre da tragédia grega de Orfeu e Eurídice, adaptada à realidade carioca. Tragédias gregas são temas recorrentes na música e dramaturgia brasileira (vide a Gota D’Água do Chico), sendo o próprio filme inspirado numa peça de Vinicius, Orfeu da Conceição. Não sei quem foi o primeiro a encontrar a ligação entre as tragédias gregas e o Carnaval carioca, mas a fórmula provou ser brilhante.

    Todo ele é exuberância, ingenuidade, e completa demonstração do que é a insanidade daquele Carnaval. É sem dúvida um retrato demasiado romantizado e lírico, mas que não deixa de exercer enorme fascínio.

    Não percebo como a carreira da belíssima Marpessa Dawn (que não era brasileira) não deslanchou em seguida: ela nem precisava falar para encher a cena, tamanha a simplicidade e beleza dos seus gestos.

    Parafraseando e repetindo, o simples já é de si complexo. E faz cada vez mais falta.