Categoria: Cinemadas

  • The Rum Diary

    tinha aqui dito o quanto ansiava por ver este filme,depois de ter lido o livro. O resultado dessa expetativa? Bom, positivo ele é. O filme é engraçado, entretém, o cenário e o ambiente estão bem conseguidos (ainda que não tão exóticos e excitantes quanto descritos no livro), mas fica na boca aquele gosto de quero mais.

    Dando de barato que o estilo de escrita do Hunter S. Thompson é dos mais complicados de se adaptar ao cinema ou ao que quer que seja (o Fear and Loathing in Las Vegas é melhor, mas não é brilhante), fico com a sensação que o material dava azo a que se fizesse melhor.

    Foi omitido um personagem brutal (Yeamon), o que tomou algum do seu lugar é meio insonso (Sanderson) e fez com que algumas cenas essenciais se ressentissem, nomeadamente e sem revelar demasiado a quem não viu, a prisão e o carnaval. Faltaram a estas essencialmente o desvario com que Thompson incendiou o livro.

    Por fim, não posso deixar de referir duas coisas. A primeira é uma metáfora utilizada por uma das personagens, que diz que, querendo construir 10 hotéis (ou algo parecido), diz primeiro à população que irá construir 100, depois “negoceia”, “cede” a fazer só 10, e passa por benevolente. Isto é uma receita antiga, e exatamente aquilo que contínua e diariamente tem sido feito ao povo português.

    A outra é que a Amber Heard… até me esqueci o que ia dizer. Fica pra pensar.

  • La piel que habito

    Glorioso regresso do Banderas ao colo do pai Almodovar, que apresenta aqui o seu melhor filme desde Hable con Ella. É menos chocante e “terrorífico” do que foi propagandeado, mas ainda assim, um thriller daqueles.

    O Banderas é um renomado cirurgião plástico que, desde que a mulher se suicidou após ter tido o seu corpo completamente queimado num acidente de viação, dedica o seu tempo a tentar desenvolver um novo tipo de pele humana, mais resistente do que a original. Para esse efeito, mantém cativa como cobaia na sua mansão uma mulher, completamente controlada pelo doutor e pela sua fiel governanta.

    Além da tragédia da viuvez, descobrimos em seguida que a filha de ambos também cometeu suicídio após ter sido vítima de violação. Esta sequência de acontecimentos do passado e do presente vai sendo apresentada de forma intercalada, até termos lentamente todas as peças do complexo puzzle em que as personagens estão envolvidas, sendo tudo isto temperado com ingredientes que Almovodar habitualmente utiliza (mães/mulheres a ditar o rumo do enredo, pais/infâncias problemáticas), mas de uma forma muito mais sóbria (menos melodramática).

    Juntem-se a isto brilhantes interpretações e uma banda-sonora excelente como do costume e, a par do Drive, o filme de 2011 que mais gostei, até agora.

  • Filme do Desassossego

    Antes de mais, é preciso ter tomates e muita criatividade para adaptar um livro destes. Felizmente o João Botelho teve os dois. Um livro que não é bem um livro deu num filme que não é bem um filme, um desfile de personagens ridículas em momentos oníricos, espelhando na Lisboa actual os devaneios e fragmentos de uma mente brilhante numa outra Lisboa.

    É claro que é difícil conferir visibilidade a um filme destes, mas é um enorme prazer ouvir as declamações do brilhante texto pessoano, e assistir a cada um dos momentos musicais (sem eles o filme não seria tão bom), começando desde logo com o Manuel João Vieira a atropelar o Aznavour, do qual deixo o curto excerto que está no youtube, mais o da Carminho, que com certeza toca.

    Assim de cabeça, dos filmes portugueses de que mais gostei.

  • Australian Rules

    Antes de mais, Australian Rules é um desporto que não é rugby, não é futebol, não é futebol americano; nem sei bem explicar o que é, apesar de volta e meia assistir quando apanho um jogo a dar na Eurosport. São 18 para 18 num campo oval com uma bola oval, todos de manga cava, 4 traves (3 balizas) de cada lado e porrada de meia noite durante todo o jogo.

    Este é um filme australiano que retrata uma equipa de juniores de Australian Rules numa pequena vila piscatória do outback, fortemente dividida entre brancos e aborígenes. Aparentemente os putos não são afectados pela tensão racial, sendo os protagonistas (do filme e da equipa) amigos inseparáveis, apesar de cada um pertencer a uma etnia diferente.

    No entanto, quando o aborígene não recebe (injustamente) o prémio de melhor jogador da final do campeonato, a sua revolta despoleta uma série de eventos trágicos que põem a nu a tensão e a paz podre que existiam.

    Uma boa e pertinente história, que peca por ter sido realizada de forma um bocado ingénua (as cenas de jogo por exemplo são ridículas, de tão amadoras). Tem, no entanto, bons desempenhos por parte dos miúdos e o condão de chamar a atenção para um problema que durante muito tempo foi negligenciado na Austrália (o filme é de 2002).

  • Midnight in Paris

    Não sou dos maiores fãs do Woody Allen, mas gostei bastante deste, talvez por me identificar um bocado com essa história de querer ter vivido no passado (ainda que a minha onda fosse mais um Rio Antigo).

    O ambiente parisiense é excelente e todos os “cameos” das figuras do passado são muito bons, destacando-se o Hemingway e a muita breve mas deliciosa aparição do Salvador Dali, no corpo do Adrien Brody.

    Fiquei irritado comigo mesmo, pois não sabia que o “Façamos” do Chico Buarque é uma adaptação do “Let’s Do It” do Cole Porter. Agora sei.

  • The Sunset Limited

    Dois velhos e uma sala de estar. É tudo o que é necessário para fazer um grande filme.

    Protagonizado por Samuel L. Jackson e Tommy Lee Jones e realizado por este último para a televisão americana, é imensamente superior a 90% dos filmes que estreiam comercialmente nas salas de cinema. Para isso muito contribui o brilhante texto de Cormac McCarthy que lhe dá origem e que opõe Black, um preto cristão evangélico, a White, um pessimista professor ateu.

    White é salvo à última hora de um suicídio na linha do metro por Black, que o leva para o seu apartamento, sucedendo-se uma série de intensos diálogos entre os dois sobre o sentido da vida e da morte, os valores da sociedade e das religiões, e demais trocas de argumentos sobre a visão completamente oposta que os dois possuem do mundo. Por vezes dramáticas, outras divertidas, em todos os momentos estas conversas são lições de inteligência e de interpretação.

    Ver isto ao vivo, num teatro, seria um privilégio e tanto.

  • Drive

    Este é um filme de acção como já não via há algum tempo. A sua realização é deliberadamente puxada aos anos 80, a todos os níveis; banda-sonora, ambiente e planos aéreos à Michael Mann, cena de entrada a preceder a sequência de créditos cheia de cores garridas sob escuro e neón. Mas tudo feito com muito estilo.

    Ryan Gosling, um actor da moda (com mérito), assume o papel “Eastwoodesco” de um mecânico e stunt driver de filmes de acção, que ocasionalmente presta serviços de fuga em assaltos. O personagem não tem nome, e dele ouvimos pouquíssimas falas, limitando-se  desempenhar meticulosamente as suas tarefas e a seguir o seu caminho.

    A determinada altura sai do seu isolamento e estabelece uma relação de amizade com uma vizinha e o seu filho, cujo pai está na cadeia. Quando este regressa, mete a família sob ameaça de mafiosos e envolve-o num suposto último assalto que acaba por ser muito mais complexo do que se imaginava, gerando uma espiral de perseguição e violência.

    Talvez seja erróneo promover o filme como sendo de acção; apesar de tê-la, é muito mais um “character movie“, com um herói enigmático e ambíguo, por vezes nobre, outras perturbador na faceta sombria que tão natural quanto repentinamente demonstra.

    Simples, minimalista e muito bem esgalhado.

  • 50/50

     

    50/50 conta a história de um escritor de rádio de 27 anos que é diagnosticado com um tipo de cancro raro, que lhe confere 50% de hipóteses de cura. Partir desta premissa poderia levar-nos a supor um drama, mas é antes uma comédia, que relata com (bom) humor a sua luta pela sobrevivência.

    Além de demonstrar que podemos e devemos fazer humor (não-fácil) com este tipo de coisas, o que mais gostei no filme foi a forma como, tratando do assunto que trata, consegue esquivar-se completamente a lamechices, lições de moral e dramatismos fáceis. As emoções são extremamente contidas durante grande parte do tempo, culminando num momento com uma carga emocional brutal, mas despoletada de forma bastante simples.

    Não é um grande filme, mas é honesto, engraçado e inspirador.

  • The Damned United

    Brian Clough foi um dos mais bem sucedidos treinadores ingleses de sempre, e também um dos mais controversos, pelo seu estilo directo e irreverente. Conseguiu tirar o Derby County da cauda da segunda liga inglesa elevando-os a campeões da primeira no ano seguinte e, anos mais tarde, tornar o modesto Nottingham Forest campeão inglês e da liga dos campeões, por duas vezes. No entanto, este filme centra-se no seu maior fracasso, os seus míseros 44 dias como treinador do gigante Leeds (onde era odiado pelas suas inúmeras bocas ao longo dos anos), alternando esse período com flashbacks dos momentos de glória anteriores e posteriores.

    Sendo talvez o melhor filme sobre futebol alguma vez feito, é essencialmente um “filme de actores”; Michael Sheen, que tem uma queda imensa para biopics, incorpora o estilo e os maneirismos de Clough de forma extremamente convincente e hilariante, no qual é devidamente acompanhado pelo seu fiel adjunto e escudeiro Pete Taylor, interpretado por Timothy Spall, que só tem “azar” por ter nascido com o aspecto que tem (calham-lhe sempre mais ou menos o mesmo tipo de papéis), pois é um actor brilhante. A relação amor-ódio entre os dois é um dos pontos altos do filme, sendo o outro o ódio de morte que Clough destina a Don Reavie, anterior treinador do Leed.

    Uma hora de meia de belo entretenimento, sotaque do norte de Inglaterra e bloodys, bollocks e twats com fartura.

     

     

  • Dracula

    Em noite de halloween, satisfiz a minha vontade de rever o Dracula do Coppola. A seguir será o do Lugosi.

    É um bom filme, mas ainda assim uma obra menor de Coppola, e menos prazerosa do que a leitura do clássico. Pode-se dizer que é em grande parte uma adaptação fiel, mas diverge em pontos fundamentais, com o amor e a entrega entre Mina e o Dracula à cabeça.

    O Gary Oldman é brilhante na pálida pele do Conde, o velho Anthony Hopkins não tanto quanto o velho Ven Helsing mas tem os seus momentos, o grande Tom Waits dá uma excelente perninha de ator como o louco Renfield e o Keanu Reeves é mau demais para ser verdade, conseguindo tornar mais insonso ainda um papel que já de si o era.

    A trivia do IMDB diz-nos que o próprio Coppola se arrependeu de escolhê-lo:

    Francis Ford Coppola has openly criticized his own reasoning for casting Keanu Reeves as Jonathan Harker. According to him, he needed a young, hot star that would connect with the girls. 

    Enquanto ele defende-se com o cansaço:

    Keanu Reeves said years after the movie came out that he wasn’t happy with his work in it, stating he had been exhausted from making several films right on the heels of signing on as Jonathan Harker, and that he tried to raise his energy for the role “but I just didn’t have anything left to give”.

    Retiro duas coisas daqui. Uma é que mesmo um mestre como o Coppola teve que fazer concessões, pois é sabido que andava nas lonas com o fracasso comercial dos filmes anteriores, e este Dracula possibilitou-lhe a recuperação. A outra é que não é necessariamente mau que assim seja, antes pelo contrário; tivessem todos os filmes de sucesso comercial a qualidade deste.

    Side note: a música dos flashbacks da nova série de terror American Horror Story (muito boa, por sinal) parece-me claramente adaptada desta.