Os últimos acontecimentos no Brasil podem fazer isto parecer um título irónico, mas é simplesmente o nome de um excelente romance de João Ubaldo Ribeiro, de 1984, que percorre cerca de quatro séculos de história do país, desde a ocupação portuguesa (a narrativa começa em 1647) até final dos anos 1970.
Ubaldo Ribeiro dizia que uma das principais motivações para escrever um romance tão longo foi ter enraizado uma máxima que o seu pai costumava repetir: “livro que não fica em pé sozinho, não presta”.
Os factos reais da história do Brasil servem de pano de fundo para as estórias fictícias de diversas personagens e famílias, que se interligam umas às outras ao longo dos séculos das formas mais mirabolantes imagináveis.
Não há uma personagem principal, nem há apenas uma perspectiva ou uma verdade; há a verdade dos portugueses e a dos holandeses, a dos indígenas e a dos negros, que às tantas se misturam e vão mostrando as características que é costume associar ao “jeitinho brasileiro”, descascado e satirizado aqui de forma genial pelo autor.
Essa multiplicidade narrativa permite também olhar para a história do país sobre uma perspectiva bastante diferente daquela que aparece nos livros clássicos; o genial capítulo da Batalha de Tuiuti, por exemplo, em que é descrita a intervenção dos orixás do candomblé afro-brasileiro na vitória, apesar de ser pura fantasia, talvez se aproxime mais da verdade do que muitas descrições oficiais, na medida em que exalta o protagonismo dos afro-descendentes brasileiros, tantas vezes desconsiderados nos relatos oficiais.
Vale cada uma das suas 846 páginas.
Ilustração Edições Nelson de Matos